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El sueño de la razón produce monstruos. Gravura 43 de uma série de 80. Museu de Prado, Madrid. Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828) |
Toda vez que
preciso de alguma ajuda ou referência, consulto os meus anjos da guarda de
estimação: Michel de Montaigne (1533-1592), Walter Benjamin (1892-1940), György
Lukacs (1885-1971), Roland Barthes (1915-1980), Edward Said (1935-2003), Susan
Sontag (1933-2004) e George Steiner (1929-2020). Eles nunca ignoram as minhas
preces.
Evidentemente, nem
sempre os acontecimentos transcorrem com a necessária delicadeza que envolve a
relação entre mestre e aluno. Como todo indisciplinado, que nega a dinâmica da
vassalagem, conjugo turbulências, discordâncias e, da forma mais nítida
possível, dúvidas. Não é o comportamento que faria sucesso nos salões
literários de Paris do século XVII. Ou nas reuniões políticas contemporâneas.
Não por acaso, em determinado período de minha vida, a long time ago in
a galaxy far, far away, fui rotulado de inorgânico, uma
subcategoria política derivada do pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937).
Provavelmente foi o melhor elogio que recebi em toda a minha vida.
Acredito que a
literatura, em particular, e as discussões intelectuais, de forma geral,
implicam em exercícios de inquietude. E isso resulta, principalmente, no debate
incessante – não como uma forma ininterrupta de negação, mas como um exercício
do método dialético. Uma aposta de que a potência se revelará através do choque
entre as ideias – ou na exaustão. O que vier primeiro.
Foi no exercício do
embate entre um conceito e sua antítese que aprendi que o discurso amoroso
precisa resultar em fruição, prazer e/ou gozo. Contrário à esterilidade,
entendo que a ação que movimenta o diálogo precisa provocar rumores e humores,
tempestades e desconforto. Há quem discorde, o que é saudável, pois, na
interpretação de um dos grandes sociólogos do século XX, Nelson Rodrigues
(1912-1980), toda unanimidade é burra.
A linguagem deve se
projetar no espaço social como instrumento de luta. Somente aqueles que
mergulham nas entranhas das palavras e emergem da malha composta por fios
conflitantes podem projetar a construção de argumentos coerentes – mas que, necessariamente,
como se fosse uma casa de vidro, devem ser transparentes. Sem esse requisito será
apenas mais um aparelhamento ideológico a serviço de quem está no poder. A
política e o mal (seja lá o que isso for) muitas vezes se irmanam – para poder
oprimir com maior intensidade.
Pensar está em
oposição ao silêncio, à negação e ao compactuar com o inimigo (que precisa ser
bem definido, sob o risco de gerar algum tipo de confusão entre miragens e
falsos profetas, fantasmas e deslumbramentos). Por isso, independente da força
das tropas inimigas, cabe denunciar – ininterruptamente – a violência e o
arbítrio. Compactuar significa rendição. Por maior que possa parecer o vendaval
de inspiração fascista, urge combater os intolerantes e expor as verdades
desagradáveis. Somente assim será possível sobreviver à nova Idade Média que
está se desenhando no horizonte.
Cercado pelos textos
daqueles com quem converso frequentemente, acredito que não será somente com
livros e ideias que encontrarei a felicidade. Ou a facilidade. Aquele que sonha
de olhos abertos – como convém aos céticos – sabe que, na estrada que leva ao
esclarecimento, existem muitas pedras, perigos, monstros e inimigos da razão.
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