Seis astronautas (quatro homens, duas mulheres) estão na Estação Espacial Internacional. Enquanto esperam ser substituídos, conversam, mergulham em lembranças pessoais, observam o planeta. Enfim, Orbital, de Samantha Harvey (DBA, 2025. Tradução: Adriano Scandolara), vencedor do Booker Prize 2024, é um daqueles livros onde não acontece nada. As trocas de informações pessoais quase inexistentes não ajudam no romper da monotonia – que é a regra geral. O ritmo narrativo parece estar em câmera lenta e isso impede que surja qualquer tipo de tensão. O pensamento se sobrepõe às ações.
São os detalhes que compõem a narrativa – seja com os pés no chão, seja o corpo flutuando. E a maneira como eles se deslocam pelo labirinto da nave, como se fosse um naufrágio – os espaços apertados, as escotilhas que dão para tubos estreitos que se conectam aqui e ali em padrões quase idênticos. O sentimento claustrofóbico está presente a todo instante. Mesmo assim, no dia a dia, cada um dos tripulantes precisa realizar uma série de tarefas específicas dentro e fora do veículo espacial (exercícios físicos, experiências científicas, fotografar e filmar o planeta, manter a espaçonave funcionando, instalar instrumentos que forneçam informações sobre o mundo espacial). A norma está em seguir incansavelmente os rituais de sobrevivência em um mundo artificial. Não há situações de emergência ou ameaças extraterrestres.
Aqueles que (de uma forma ou de outra) estão temporariamente exilados no espaço, condenados à repetição interminável que o percurso espacial lhes oferece, assistem os movimentos essenciais do planeta (rotação, translação): a nave segue em órbita, deslocando-se de continente em continente, norte e sul, um olho obsessivo a observar, reunindo e calibrando a luz. Um espetáculo somente acessível para raros privilegiados. E repleto de surpresas. O sol iluminando territórios, a aurora boreal, a devastação que acompanha os tufões, vulcões em erupção, a luz refletida na lua, o modo como o planeta parece respirar, a sensação utópica de que as fronteiras geográficas não foram recortadas por guerras e ambições desmedidas. Continentes e países chegam um depois do outro, e a Terra dá a impressão de ser – não pequena, mas quase infinitamente conectada, uma epopeia de versos que jorram.
Existem outras coisas, outras emoções, sensações peculiares, difíceis de expressar com palavras: Quando os seis conversaram sobre a caminhada espacial de cada um depois, descreveram um déjà-vu – eles sabiam que tinham estado lá antes. Roman diz que talvez tenha sido causado por memórias ocultas de estar no útero. Para mim, essa é a sensação de estar no espaço, ele disse. Não ter nascido ainda.
Observar a imensidão que separa o planeta e o universo desconhecido (planetas, galáxias, estrelas, buracos negros, etc.) por aqueles que se aventuram no mundo exterior não significa paz, tranquilidade ou serenidade. A redoma artificial que abriga os astronautas por vários meses (eles estão tão juntos e tão sozinhos) não os protege das lembranças do que viveram (ou deixaram de viver) na Terra e que agora estão presentes em tudo o que fazem: a morte da mãe de Chie, o cartão postal com a pintura de Velásquez, a ausência de um tapete, a fissura minúscula na parede da estação espacial, os amigos isolados em uma ilha do Pacífico, saudades da família, o nódulo no pescoço de Anton, o foguete cujos propulsores, durante o lançamento, queimam o combustível de um milhão de carros.
Orbital: exercício de linguagem, filosofia e ternura, relato sobre o isolamento físico e emocional, potência literária, práxis poética.
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Samantha Harvey |
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