A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS (junto com a peste bubônica e a pandemia do covid-19) estabeleceu um dos momentos em que a vida humana foi colocada em risco. Foi durante as décadas de 1980/90 que um grupo de pesquisadores (imunologistas, infectologistas, virologistas) franceses e estadunidenses iniciaram a procura de algum método para determinar as causas da doença e de que maneira a doença poderia ser controlada – em outras palavras, diminuir o número de mortes.
Foi um período doloroso da história da ciência. Milhares de pessoas foram infectadas em todo o mundo. Em um primeiro instante, predominou o estigma social (o rótulo “câncer gay” teve bastante impacto). Demorou algum tempo para que percebessem que a doença não era uma exclusividade da comunidade homossexual. Quando descobriram que o sangue era um dos vetores de transmissão, além das relações sexuais, surgiu uma mudança de entendimento – a vida de doentes que precisam de transfusão de sangue, hemofílicos e usuários de drogas (principalmente aqueles que compartilham seringas) estava em perigo.
Em Os Meninos Adormecidos (Editora Fósforo, 2024. Tradução de Camila Boldrini), Anthony Passeron, ao relatar a história de um de seus tios, aproveita a oportunidade para traçar um histórico dessa pesquisa. Désiré, viciado em heroína, morreu aos 23 anos. Representante da jeunesse dorée francesa que foi devorada pelos acontecimentos depois de maio de 1968, cresceu sem muitas perspectivas de lutar por alguma mudança na vida pacata de quem residia em uma aldeia perdida no meio do nada. Mesmo sendo o primeiro filho de uma família de açougueiros que conseguiu um diploma universitário, em dado momento, querendo se afastar do tédio, abandonou o emprego em um cartório e foi passar algum tempo em Amsterdam (Nederland), paraíso das liberdades sexuais e alucinógenas.
Voltou infectado – e dependente químico. Trouxe junto Brigitte, a namorada (que, logo depois, ficou grávida de Émilie). O resto da história não possui mistério: pequenos roubos para poder financiar o vício, sintomas iniciais da doença, internações hospitalares em Nice, a destruição do corpo. Simultaneamente, a família também ficou enferma: a negação da mãe de Désiré sobre o caminho de autodestruição escolhido pelo filho, o julgamento moralista da comunidade, as mortes de Désiré e Brigitte – sem que ninguém pudesse fazer alguma coisa.
O ápice da tragédia acontece com a morte de Émilie, aos dez anos. Sobre o enterro da prima, Anthony Passebon escreve: Não me lembro de quase nada. Adoraria ter esquecido o pouco de que me lembro. (...) Lembro-me apenas disto, do frio seco de uma tarde de novembro e de uma massa silenciosa que desvia o olhar ao escutar os gritos de minha avó. Nós a carregamos na frente do cortejo, como um soldado ferido que trazem de volta do front. Um dia de derrota.
O
trabalho insano de pesquisa científica sobre a doença, feito de avanços e
recuos, nem sempre aconteceu de forma pacífica. Em alguns momentos, a equipe
estadunidense não contribuiu de maneira eficiente para que houvesse progresso.
De qualquer forma, foi somente em 1993 que se obteve um fio de esperança para o
controle da doença. Pela primeira vez, estudos robustos confirmaram que uma
associação de zidovudina com outro fármaco retarda as complicações ligadas à
infecção e prolonga sensivelmente a expectativa de vida dos pacientes. Em
1995, Jacques Leibowitch inicia um estudo com cerca de vinte pacientes. A
experiência, denominada “Stalingrado”, consistia em misturar AZT, ddC e ritonavir
(inibidor de protease). (...) os dados das primeiras avaliações são
categóricos: apesar da dureza do tratamento, observa-se na totalidade dos
pacientes uma queda espetacular da carga viral. Finalmente.
Em 2008, Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier receberam o Nobel de Medicina pela descoberta do vírus da SIDA/AIDS, pesquisa realizada no Instituto Pasteur, em Paris. Como acontece em certos momentos da história, a injustiça se fez presente: Muitas vozes se levantaram (...) por não entenderem a decisão de restringirem o prêmio a duas pessoas. Por que não houve uma atribuição mais ampla? Estavam pensando em Willy Rozenbaum, Jacques Leibowitch e Françoise Brun-Vézinet, que fizeram soar o alarme quando a doença se manifestou e que recorreram ao Instituto Pasteur; em Jean-Claude Chermann, que dirigia o laboratório no qual Françoise Barré-Sinoussi trabalhava; em David Klatzmann, que foi o primeiro a observar a ação do vírus nos linfócitos T4. Como se fosse possível diminuir o estrago, os dois laureados, na cerimônia em Estocolmo, insistiram em declarar a dimensão coletiva da descoberta.
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Anthony Passeron |
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