Você sabe por que as boas histórias sempre precisam acabar mal? Philippe Besson, escritor e personagem, no início do romance autobiográfico Uma Noite de Verão, escolheu antecipar que está narrando uma história com final complicado. É uma estratégia simples: propõe o problema, provoca a curiosidade. Será que o leitor vai aceitar a provocação e tentar descobrir o que aconteceu?
Foi no verão de 1985, em Sablanceaux (Île de Ré, Commune de Rivedoux-Plage, oeste de França). Os seis amigos (Philippe, François, Christophe, Nicolas, Marc e Alice) estão na faixa dos 18 anos e querem viver com a intensidade que a idade e os hormônios exigem. O desejo adeja ao redor de todos, apesar das interdições sociais. Alguns desses jovens oscilam sobre o que querem e porque querem. Quando decidem, nem sempre encontram correspondência.
(Nessa fase de nossas vidas, estávamos presos em uma contradição fundamental: queríamos seduzir, viver romances, éramos guiados por nossa inexperiente libido, mas, na maioria das vezes, ficávamos na incerteza, no meio-termo, numa espécie de zona cinzenta, faltava-nos determinação, discernimento ou energia, ou os três ao mesmo tempo e, no fim, muitas vezes preferíamos a companhia dos amigos ao amor e ao sexo, era menos complicado, menos exaustivo.)
Como essas questões (não importa qual caminho seja o escolhido) possuem horizontes distantes, os protagonistas do romance, aos poucos, vão descobrindo que ninguém é inocente e que até as amizades que pareciam sólidas podem ser rompidas a qualquer instante. Mas, não é somente isso: a narrativa, embora em primeira pessoa, está centrada na figura de Nicolas – um indivíduo sensível, escorregadio, que foge de qualquer tipo de envolvimento afetivo (Alice tem uma explicação: “Ele é misterioso, não fala muito, quando você é assim, pode esconder qualquer coisa dos amigos”.). É esse caráter enigmático que produz tensões, desloca os olhares, e, simultaneamente, provoca paixões e ciúmes (principalmente em François, que deseja conquistar Alice).
A grande reviravolta do enredo ocorre na noite de 19 de julho, sexta-feira, aniversário de Christophe. Os seis amigos vão a uma boate em Saint-Martin-de-Ré. Em determinado momento, Philippe percebe que Nicolas desapareceu. Ninguém o viu, ninguém sabe aonde ele foi. Todos estão muito bêbados ou excitados para procurar por alguém que pode estar se escondendo ou que talvez tenha voltado para Sablanceaux mais cedo.
No dia seguinte, depois que constatar que Nicolas não está em casa e que não deu nenhuma notícia, a engrenagem da procura é acionada. E ninguém o localiza, nem mesmo a polícia. Volatilizou-se. Nenhuma pista, nenhuma ideia sobre o seu paradeiro. A possibilidade de que possa ter se afogado no mar não é descartada, mas o corpo não aparece (A hipótese que ninguém ousa retomar é a da morte voluntária. Ninguém se mata aos dezessete anos. Né?). Mas, para quem prestou atenção, em dado momento, vários dias antes, Nicolas proferiu uma declaração estranha, premonitória: Ele diz, como se fosse uma verdade universal: “A gente não vai embora para ir a algum lugar ou fazer algo. A gente vai embora, ponto.” Na medida que o tempo passa e as buscas não resultam em uma resposta, a desolação se faz presente: Sei apenas que a ausência de Nicolas se tornou ainda mais concreta. Ela era um desvanecimento. Agora é um apagamento.
Nicolas desapareceu – de uma forma ou de outra. O que sobrou está expresso nas palavras de Philippe, alguém que nunca conseguiu entender os acontecimentos daquele verão – e que, para exorcizar os fantasmas, escreve: A verdade, se quiser saber, é que nunca consegui me livrar dessa história, ela nunca saiu de mim, ela segue aqui, em algum lugar, perdida nos recessos da memória, e volta à tona de tempos em tempos.
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Philipe Besson |
PS:
No Brasil foram publicados os seguintes romances de Philippe Besson: Na Ausência
dos Homens (Rocco, 2007), Mentiras que Contamos (Austral Cultural,
2024), Muito mais que um Crime (Vestígio, 2024), Uma Noite de Verão
(Vestígio, 2025).