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sábado, 31 de dezembro de 2022

ANO NOVO, VIDA NOVA?

 


Dezembro chegou ao fim. Em alguns momentos o ano passou rápido; em outros,... era mais fácil chegar 2500 do que chegar o momento de decidir o que deveria ser decidido. Foi um ano atípico, repleto de alternativas. Eleições, Copa do Mundo, questões pessoais, a perda de alguns amigos, parentes e conhecidos, a vida (ou a morte) reclamando o que lhe cabe por direito ou por atos de violência. 

 

A primavera se despediu do Hemisfério Sul no dia 21 de dezembro, às 18h48min. Ficaram para trás as noites mais longas, mais frias, mais chuvosas, mais tristes. Parecia haver algum tipo de cansaço na natureza, tantas são as agressões diárias contra o meio ambiente. Com o verão existe a promessa de tudo mudar. Mudará? A esperança é a última que morre – dizem. Teremos sol, corpos desnudos e um novo governo. Não sei se os moradores do Planalto Catarinense estão preparados para essa explosão de cores, sabores e calor, muito calor. Por algum motivo que foge da compreensão universal o povo que habita a região prefere as baixas temperaturas.  

 

Argentina e França fizeram uma final de infarto na última partida da Copa do Mundo de Futebol. A vitória de los hermanos quase encenou uma tragédia grega, tantas foram as emoções e as possibilidades desperdiçadas pelas duas equipes. A voz de Carlos Gardel parecia entoar que por una cabeza, todas las locuras seriam possíveis. Felizmente, na batalha entre o croissant e a medialuna, os deuses do ludopédio decidiram que um tango argentino (...) vai bem melhor que um blues (como cantava Belchior, em trocadilho polissêmico).

 

No plano regional o necrológio foi extenso: Luís Alfredo Ribeiro, José Atanásio Borges Pinto, Scheila Ramos Bleyer, Francisco Darci Fernandes, Ademir Bratti, entre outros, abriram lacunas emocionais que só serão preenchidas esporadicamente, quando nos lembrarmos de algumas das histórias (cômicas, trágicas, comoventes) que eles protagonizaram serra ‘cima. Lages ficou um pouco mais pobre com essas ausências.


 

Nos últimos minutos da prorrogação, o planeta foi abalado por duas mortes de significativa importância: Edson Arantes do Nascimento (dia 29) e Joseph Aloisius Ratzinger (dia 31). Pelé e o Papa Bento XVI, cada um de maneira muito particular, instituíram o sagrado como alicerce do existir. Alguns hereges (leia-se, jornalistas esportivos) costumam comparar os estádios de futebol com catedrais, com templos em que cada gol fornece contornos à fé, ao reverenciar Deus. Descontado o exagero, e algumas características pessoais dos que nos deixaram, pode-se dizer que, em suas respectivas modalidades esportivas, o mundo perdeu dois craques. Outro falecimento relevante: a escritora Nélida Cuiñas Piñón, no dia 17.           

 

O show tem que continuar. É o que apregoam os cínicos. O réveillon está batendo na porta. A celebração, que mistura louças, talheres, comidas e sentimentos, acena para duas coisas: que o peru vai pagar o pato e que o novo, o novo sempre vem (Belchior, outra vez). Ao longe, os pessimistas (aqueles que gostam de estragar a festa alheia) lembrarão (entre uma taça e outra de espumante, entre um canapé e uma colher de lentilha), que as mudanças são constantes, mas que, ao mínimo descuido, o futuro ambiciona retomar o passado. Todo cuidado é pouco. 

 

Então,... Seja bem-vindo 2023!


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

ANOTAÇÕES SOBRE O FUTURO

 


Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir. Nos últimos tempos, esse verso de Manuel Bandeira tem me visitado com frequência. Basta um descuido, um instante em que pensamento se desprende do mundo objetivo e, pimba!, ele surge na mente como se fosse parte da história que tento viver. Não é. Mas pode ser. Explico. Vou me aposentar em breve. Depois de (intermináveis) séculos como servidor público terei algum sossego. Terei? Há controvérsias. Mas, na medida do possível, quero deixar de lado os entraves e aproveitar essa fresta no modo capitalista de ser e fazer uma festa particular (que incluirá, obviamente, a preguiça – um dos meus mais importantes projetos de vida).

A liberdade é a mais sincera expressão da poesia.

Sobrará tempo para ouvir música (jazz, clássicos, MPB), para conhecer melhor a cidade em que vivo, para viajar. Penso em visitar os bons ares de Buenos Aires e os aromas amazônicos de Belém do Pará. São Paulo também está nos planos. Não sei se isso se transformará em algo concreto – mas, em caso positivo, prometo publicar nas redes sociais incontáveis fotos dos eventos.

No campo das realizações sempre adiadas, vários ensaios literários requerem conclusão. Iniciados estão, mas foram sendo deixados de lado na medida em que outras urgências tomaram forma e conteúdo. Algumas das ideias esboçadas precisam de reforma ou de acréscimos. Além disso, torna-se necessário superar os limites da linguagem, o extenuante esforço de transformar o nada em algo que possua substância. Penso em reservar as manhãs para essa aventura, o texto escorrendo pela tela do computador.

Centenas de livros parecem exigir leitura. Ler (ou reler) todos os livros que deveria ler (ou reler) implica em ocupar uma vida. Ou duas. Mas o tempo ruge – leão faminto e que exige a sua cota diária de carne. Se tiver paciência, posso tentar saldar uma dívida histórica. Nunca me aproximei de Proust, essa montanha mágica de papel e sentimentos. Como se trata de outro intento adiado sine die, e tendo em mente que a vida é muito curta (e a literatura, extensa) para esse tipo compromisso, pode ser que... que a procura pelo tempo perdido ocorra em outra encadernação.

Quero ir mais ao cinema (legendado, por favor!), estou defasado nessa arte, perdi centenas de filmes importantes. É o preço a se pagar quando escolhemos morar no interior (onde só existe acesso aos filmes comerciais). Poderia fazer o que todos fazem e piratear, mas a consciência (uma forma de traição ao pragmatismo) vive me dizendo que isso é errado e então... o impasse está posto e parece não ter solução. 

Quero tomar bastante sorvete e cerveja (não ao mesmo tempo), quero recuperar os sabores das comidas chinesa, indiana, tailandesa e russa, o agridoce e o azedo dando as cartas e mandando a insipidez para longe. Churrasco é bom, mas não é tudo.

Enfim, quero viver – sem precisar suportar as sobras/sombras da iniquidade, sem me sentir tolhido por horários e compromissos. Quero – se for permitido – satisfazer o desejo (monstro que aguilhoa o corpo, exigindo gozo).


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

A ESTATÍSTICA ESCONDE MENTIRAS

 



Toda vez que alguém me apresenta dados estatísticos, gráficos e análises de probabilidades, a minha vontade é a de repetir uma frase que emoldura o romance de ficção científica Guerra do Velho, de John Scalzi: não tenho matemática suficiente para isso. E não tenho mesmo.

 

Na escola, quando a aritmética era obrigatória, costumava somar o tédio com os elementos descritos no enunciado das provas. Ainda hoje, tenho a impressão de que atravessar a nado o Amazonas é mais fácil do que resolver alguns problemas algébricos (logaritmos, derivadas, matrizes e determinantes, por exemplo). Acumulei noites de insônia por causa desses monstros.

 

Falta-me paciência e fé para compreender o mundo dos números. Quando vejo equações, diagramas, planilhas de Excel, planos cartesianos, vetores, fluxogramas, essa parafernália que acompanha a matemática, lembro-me de alguns versos do Augusto dos Anjos: esse ambiente me causa repugnância... / Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia.

 

O Covid-19 forneceu elementos festivos para o pessoal da matemática, (principalmente os fanáticos pela estatística). Existem cálculos de probabilidade para tudo – desde as porcentagens de alguém deixar de viver nas próximas 24 horas até a quantidade de unhas encravadas existentes em grupos de mil habitantes.

 

Os jornais (físicos, virtuais e televisivos), ávidos por novidades, multiplicam esse tipo de “enrolação”. E abusam dos infogramas (representação gráfica visual que complementa o texto).  Além de ajudar o leitor a assimilar a informação, esse recurso fornece corpo e substância para as notícias. Isso é fácil de entender. Mas,...

 

Os números (distribuídos em pontos, curvas, colunas, estereogramas, pictogramas, cartogramas, etc.), auxiliados pela técnica da diagramação, também são uma forma de higienizar a informação, de retirar do olhar do indivíduo uma serie de dados que poderiam fornecer outra leitura – provavelmente contrária ao enfoque proposto. Assim como a pornografia, os infogramas ambicionam satisfazer um desejo imediato, supérfluo, sem grandes consequências.

 

Certa vez, o escritor Andrew Lang afirmou que usa-se a estatística como um homem bêbado usa um poste, mais para se apoiar que para iluminar. Ou seja, a estatística é uma ferramenta auxiliar, com alguma importância, mas certamente dispensável. Infelizmente não é assim que o imaginário popular entende. A publicação de qualquer conjunto de números assume o estatuto de verdade – porque a “verdade” contemporânea não precisa estar conectada com a realidade.

 

Uma célebre afirmação de Josef Stalin, a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística, é de difícil compreensão para os humanistas. Diminuir o significado da morte, usando números, é irracional, é desumano. A morte, independente da quantidade, sempre caracteriza o absurdo.

 

Na luta diária contra o discurso dos números constato que eles se parecem com o grego, o sânscrito ou o mandarim – idiomas que não entendo. Simultaneamente, a inserção dos numerais no cotidiano confirma o uso proposital de instrumentos de opressão. Consequentemente, essa estratégia serve, em alguns momentos, como indução da desinformação ou de comportamentos sociais, políticos e econômicos de duvidoso valor. 

 

Quando dizem que os números não mentem, convém lembrar que Mark Twain resumiu a questão ao afirmar que há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras disfarçadas e estatísticas.

 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O CASO DO CHUVEIRO E DA BANHEIRA

 


Ficar em casa nunca me causou problemas; ao contrário, gosto – e muito! Internet, televisão, livros, CDs, filmes – distração não falta. Posso escrever o que quiser, na hora que quiser, e ninguém vai atrapalhar. Tenho comida no armário e na geladeira. Não é uma vida ruim. Mas,... Sempre aparece um imprevisto. Queimou a resistência do chuveiro.

Queimar a resistência do chuveiro se tornou uma expressão errada, me ensina o Assistente para Assuntos Elétricos e Hidráulicos (AAEH). Não existe mais essa história de curto-circuito, estouro, susto, medo de ser eletrocutado. Os chuveiros modernos, seguindo as regras da obsolescência programada, possuem placas eletrônicas e que – em determinado momento – deixam de funcionar. É, literalmente, uma ducha de água fria.

Foi isso o que imagino ter acontecido. Tomei banho pela manhã. Não percebi nada de diferente. No final da tarde, água gelada. Poderia acrescentar que não desejo banho frio nem para o meu pior inimigo, mas isso é mentira, desejo sim – além de suplícios outros.

Naquele momento, após exprimir inúmeros palavrões impublicáveis, disse para mim mesmo que era muito azar acabar a luz na hora do meu banho. Enxuguei o corpo e, diante do interruptor, disse: Fiat Lux. Fez-se. O que me levou à conclusão de que a causa da crise era outra. Nada mais me restou senão voltar para debaixo da água gelada. Foi um banho rápido, muito rápido. O mesmo aconteceu na manhã seguinte.   

O AAEH chegou logo depois do almoço, trocou a engenhoca, fez o serviço em menos de 30 minutos. Paguei sem reclamar – e pagaria mais se fosse necessário. Tenho dificuldades psicológicas com qualquer coisa que envolva eletricidade. Por exemplo, trocar lâmpada sempre foi uma tragédia. Preciso desligar o quadro geral de luz do apartamento antes de iniciar a atividade. Quando começaram a comercializar essas lâmpadas que duram quase uma eternidade, minha vontade foi a de ir até a gruta de São Bom Jesus de Iguape, acender vela, e agradecer aos deuses da tecnologia.

O primeiro banho com o chuveiro novo foi catártico. Não pela limpeza dos detritos produzidos pelo corpo. Isso é importante, claro. Ou melhor, imprescindível. Não é disso que estou falando/escrevendo. O que considero significativo é a sensação de bem-estar, o realinhamento dos chakras, um conjunto de cânticos e louvores aos atos civilizatórios.

Uma lenda urbana afirma que os franceses não são muito amigos do banho – e que aperfeiçoaram a indústria da perfumaria para mascarar os odores naturais do corpo. Não tenho certeza se isso é verdade ou apenas um boato inconsequente. O que sei é que, em algumas regiões da Europa, o usual é tomar banho de banheira. É o meu sonho de consumo. Se, em futuro próximo, ganhar da loteria, quero ter banheira esmaltada, sais de banho, espumas coloridas. 

É um desejo infantil, talvez uma volta ao líquido amniótico. Não sou psicólogo para fornecer explicações coerentes para essas regressões aos primórdios da vida. Também não entendo quando algumas pessoas afirmam que tomar banho de banheira é uma forma de mergulhar na própria sujeira. Tento lembrar se alguém foi capaz de dizer essa bobagem em relação ao banho em piscina. Nada concluo, porque não há o que concluir.

Em hipótese hipster, deve ser interessante experimentar um ofurô (uma espécie muito peculiar de banheira japonesa). Preciso dessa aventura! 

Na elegia do banho (de chuveiro, de banheira) podemos adicionar três momentos terapêuticos do encontro humano com a natureza: os rios, o mar e a chuva. Mas, devido ao adiantado da hora, isso é assunto para outro momento.

 

domingo, 11 de dezembro de 2022

FUTEBOL E SOBERBA

 


A Croácia derrotou a equipe que dizem representar o Brasil na Copa do Mundo de Futebol 2022. Disputa de pênaltis, depois de empatar na prorrogação. Vida que segue. Segue? Para algumas pessoas, não.  Esse resultado adverso significou um trauma, a esperança despedaçada, uma tragédia grega. Daqui a vinte ou trinta anos comentarão, com ar saudosista, que a oportunidade escapou pelo vão dos dedos nos últimos cinco minutos de jogo. Um desastre. Afinal, quase todos concordam que o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes (nas palavras de Arrigo Sacchi, técnico italiano).

O ufanismo produzido pelos mercenários esportivos (com ou sem diploma de jornalismo), aquele que decretou a superioridade futebolística do Brasil sobre as outras equipes, nunca está preparado para perder. E quando isso acontece, algumas providências são tomadas imediatamente. A principal é lubrificar as engrenagens da guilhotina. A lâmina afiada precisa decepar a cabeça de alguém para que os interesses e os negócios não sejam (muito) prejudicados. A vítima pode ser qualquer um. O treinador, o jogador que errou o pênalti ou aquele que se omitiu, o goleiro, o árbitro. Não importa se é culpado ou inocente (embora não existam inocentes). A decapitação é o prêmio dos perdedores.

A possibilidade de o outro time ter jogado melhor ou preparado uma estratégia de jogo adequada para o confronto sequer é considerada. A equipe rival é (sempre foi) uma sombra, um grupo de jogadores sem identidade, sem rosto, sem história, sem o desejo de vencer, e que, ao fim e ao cabo, só se apresentam em campo para serem derrotados com facilidade. Ou, na pior das hipóteses, em consequência de algum contra-ataque demolidor (e que salva a pele daqueles que estavam passeando em campo). Esse lance, frequentemente individual, consagra o craque. A obra de arte em forma de drible, acrobacia ou equívoco do adversário, será cantada em prosa e verso por toda a eternidade. Pois, como é de consenso, apenas a vitória importa – e desculpa todos os erros anteriores.  

O futebol brasileiro não possui autocrítica. Nem psicólogos. A cena histérica, com o grupo de marmanjos chorando copiosamente após o desfecho da partida, indica que eles não estavam preparados para administrar a frustração. Ou seja, não superaram a fase adolescente. Talvez nunca superem. Para quem os manipulam, o melhor é que continuem sendo apenas meninos.

Por isso, na próxima competição, que pode ser contra as Ilhas Faroe ou o Sudão do Sul (valendo taça, flâmula ou figurinhas do álbum da Copa), os parasitas, digo, os dirigentes acenarão para os jogadores com a promessa de um doce, qualquer doce. Basta vencerem. E esse agrado colocará a equipe nos trilhos. E tudo voltará ao controle – ou seja, para a mesma estagnação de sempre.          

Recordar um dos poemas de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) se faz necessário. Nos primeiros versos do Poema em Linha Reta encontramos o resumo da ópera: Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E nesse tom, cabe concluir que nenhum interessado em obter algum tipo de vantagem com o futebol quer ser considerado vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza

Quando não se consegue distinguir entre o  certo e o errado, surge a soberba – que é uma das formas de ignorar a existência do Outro, daquele que nos complementa e nos mostra a realidade mais amarga. 


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

SOBRE GATOS E CACHORROS

 


Sempre gostei mais de gatos do que de cachorros. Poderia alegar trezentas razões para esse proceder, inclusive ter sido mordido por cães duas vezes. Mas isso seria exagerar, inclusive porque não desejo omitir a existência desses animais na minha vida.

 

Do primeiro cachorro não tenho grandes lembranças, exceto que foi morto com tiro de espingarda de caça. Tinha contraído hidrofobia. Depois, quando estávamos morando na Rua José Berlim (antigo Aeroporto Velho, hoje bairro Universitário), surgiu Piloto, um cão enorme, gentil e protetor. Ele foi uma das perdas no grande drama familiar que protagonizamos em 1972, quando meus pais se separaram. Mais tarde, menos de dez anos, adotei Napoleão (Napo, para os íntimos). Ele não possuía grandes atrativos ou altura para jogar basquete, mas tinha a dignidade e a delicadeza de um Golden Retriever.

 

E isso é tudo o que posso dizer sobre cinofilia. Em compensação, sobre a ailurofobia... Mas, seguindo o esquema do pessoal que preza pela organização, vamos por partes. A palavra ailurofilia tem raízes (radical e sufixo) gregas e significa, de forma simplificada, amor pelos gatos (felinos). Cinofilia, de acordo com o mesmo raciocínio, quer dizer amor pelos cães – em sentido lateral, a palavra está relacionada com o cinismo (mas, para entender isso é preciso conhecer a história da filosofia).

 

Na infância, em um dia que parecia ser igual a qualquer outro, meu pai trouxe para casa um filhote de gato amarelo. Estava dentro de uma caixa de sapato e tinha fome e frio. Foi imediatamente adotado, alimentado, agasalhado. Um dos meus irmãos perguntou qual era o nome do animal. A resposta foi estranha: Babinote. Nunca entendi o porquê desse nome. Certa vez imaginei que poderia ser a contração das expressões baby, not ou baby, note, o que parece ser algum tipo de ironia sutil (além de não saber inglês, meu pai jamais usaria esse recurso estilístico). Babinote também se perdeu (ou foi adotado por algum vizinho) na diáspora de 1972.

 

O tempo escorreu pelo vão dos dedos e nesse intervalo, sem parecer exagerado, arrisco o palpite que minha mãe adotou uns quinze gatos. Não ao mesmo tempo, que isso seria problemático. Um por vez, talvez dois. E de todas as cores e raças. E era sempre uma tragédia quando um deles desaparecia. Lembro-me, entre tantos episódios complicados, de dois atropelamentos e um envenenamento. Todas essas mortes foram recebidas como uma declaração de guerra contra o mundo, contra algum vizinho. O que não surpreende, pois os animais eram legítimos membros da família. A velhice também alcançou alguns deles – apesar de possuírem sete vidas. O último dos felinos chamava-se Sabóti, uma homenagem (??) à enfermeira que cuidou da mãe no hospital – quando foi operada da vesícula, no início do século XXI.  A gata sobreviveu à sua dona, mas não por muito tempo, o fio da vida também estava se rompendo em março de 2021.

 

A literatura também trouxe os gatos para dentro da minha vida. Escritores que admiro como Edgar Allan Poe, H. H. Munro, Saki, John Updike, E. T. A. Hoffmann, Anton Tchekhov, Patrícia Highsmith, Doris Lessing, Natsume Soseki, Mary Gaitskill, entre outros, coloriram suas histórias com esses poemas ambulantes (como diria Roseana Kligerman Murray). No Brasil, os inventores da autoestima (segundo Erma Bombeck) são personagens de Heloísa Seixas, Otto Lara Resende e Rogério Menezes. Nas narrativas de Lygia Fagundes Telles encontramos os emblemáticos Emanuel (no conto homônimo) e Rahul (o gato-narrador do romance As Horas Nuas).

 

Depois desse conjunto de histórias, alguém há de perguntar sobre a minha relação com a ailurofilia. Lamento informar que não tenho gatos. Não os quero ter. Moro em apartamento e considero crueldade aprisionar qualquer animal.

 

Além disso, ou talvez exatamente por isso, tenho dificuldade em entender a perda daqueles que amo.

 


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE

 


Recentemente, em reunião com empresários, perguntaram para o professor e político Fernando Haddad qual era a sua (dele) opinião sobre o pensamento de Karl Marx. Haddad rebateu com outra pergunta: em qual obra de Marx? O empresário foi incapaz de citar um único texto do filósofo alemão. Parece que o indivíduo não tinha a mínima ideia de que o pensamento marxista é múltiplo e abrangente.

Durante muito tempo, o ex-ministro da Fazenda (1967-1974) e do Planejamento (1979-1985), Antônio Delfim Netto, teve (talvez ainda tenha) uma das melhores bibliotecas marxistas do Brasil. Perguntado do porque desse esforço, respondeu (provavelmente com outras palavras) que é necessário conhecer profundamente o inimigo.

Esses dois episódios (que devem ser vistos sem a mistura com as questões ideológicas) estão conectados porque colocam em contraste a civilização e a barbárie, o conhecimento e a estupidez. Em outros tempos (nem melhores, nem piores do que os atuais, apenas diferentes), ter um mínimo de base intelectual era requisito indispensável para qualquer tipo de ação pública.

Para Umberto Eco, as redes sociais deram o direito à palavra a uma legião de imbecis que, antes, só falavam nos bares, após um copo de vinho, e não causavam nenhum mal para a coletividade. Nesse sentido, estamos convivendo com uma inversão de propósitos e procederes. A modernidade tecnológica implodiu a catedral do pensamento lógico (que exige correção e comprovação) e instituiu as ruínas como um novo templo de devoção. As opiniões pessoais (que são apenas isso, opiniões pessoais) assumiram um lugar central em qualquer discurso. O que importa não é estar certo, o que importa é vencer. E esse pensamento está alicerçado na possibilidade (ou na esperança) de que a força bruta sempre vence. Para que isso aconteça, todos os esforços são válidos: má educação, fake news, teorias conspiratórias, projetos golpistas, etc..

O tiozão do churrasco, o empresário analfabeto em política e economia e o youtuber lacrador se tornaram figuras emblemáticas de um tempo em que as demandas de quem "quer se dar bem" (sem precisar pensar ou estudar) são mais prementes do que o pensamento civilizatório. Essas pessoas, de certa forma, são descendentes de Átila, rei dos Hunos que costumava aterrorizar seus inimigos com promessas de destruição, dizendo que onde eu passar, nem a grama crescerá novamente.  

A pilhagem costuma ser compreendida como sinônimo de sucesso. E, normalmente, resulta em fracasso porque destruir é muito mais fácil do que manter o território anexado. Poucos entendem as dificuldades que acompanham as vitórias, poucos estão preparados para administrar. Para que a conquista seja completa, precisariam ter o conhecimento que dispensaram durante o trajeto.    

O horror! O horror!, exclamou Kurtz, personagem de um dos romances escritos por Joseph Conrad. Mas não é somente na ficção que a iniquidade parece conduzir ao coração de umas imensas trevas. Em diversos momentos, a realidade prefere negar a lucidez (do latim lux, luz) e enveredar por caminhos soturnos, onde, nas sombras, é possível esconder (ou destruir) tudo o que desagrada ou atrapalha.

Em algum lugar do Manifesto Antropofágico, texto basilar da revolução cultural modernista brasileira, lemos que A alegria é a prova dos nove. Nestes tempos de homens sombrios, praticantes da banalidade do mal, uma multidão prefere cultivar a tristeza que acompanha a ignorância.             


domingo, 27 de novembro de 2022

SAMARCANDA

 


O poeta inglês Edward Fitzgerald (1809-1883) traduziu 75 poemas escritos por Omar Khayyam (1048-1131) e publicou, em 1859, esse esforço de recuperação da obra de um dos mais importantes escritores da antiguidade. O livro teve uma tiragem de apenas 250 exemplares e, infelizmente, não obteve sucesso. A qualidade do ruba’i (poesia composta por quatro versos e que procuram celebrar o amor, o êxtase, a brevidade da vida e o vinho) só foi reconhecida alguns anos depois.

Utilizando como pretexto a suposta existência do texto original do Rubaiyat (plural de ruba’i), o escritor libanês, radicado na França, Amin Maalouf reconstruiu a biografia de Omar Khayyam. Nos momentos em que não existe comprovação histórica ou documental, utilizou a ficção – brincando com a verossimilhança e com a invenção.    

Tendo como cenário as cidades míticas de Samarcanda, Tabriz, Isfahan, Teerã e Bagdá, a narrativa apresenta semelhanças com o clássico As Mil e Uma Noites. Mas, ao contrário de estar focalizada em aventuras fantásticas, onde o impossível se materializa como um passe de mágica, o leitor encontra na narrativa um relato da instabilidade política (naquela região, naquele tempo, as guerras de conquista por território eram frequentes). Também havia fanatismo religioso, disparidades sociais e econômicas, guerras fratricidas, intrigas palacianas e crueldade. Nesse turbilhão, que sinaliza para a dissolução da civilidade, o poeta exerce as suas muitas habilidades aconselhando políticos e chefes militares, fazendo previsões astrológicas, observando as estrelas (foi um astrônomo importante) e, não menos importante, encontrando o amor. Nos intervalos entre as crises, escreve poesia.

Muito tempo depois, apaixonado pelo Rubaiyat, o estadunidense Benjamin Omar Lesage, ao tomar conhecimento da existência de um improvável manuscrito, que, por caminhos bastante precários, sobreviveu ao esfarelamento do mundo, viaja até o Oriente Médio. Mais do que confirmar a existência do texto, ele quer conhecer os locais onde o poeta escreveu tantos versos maravilhosos. Essa tarefa se revela mais difícil do que o previsto. Apesar da revolução industrial e dos avanços socioeconômicos do “fin de siècle”, a Pérsia (atual Irã) continuava instável. Substituindo as tribos bárbaras, que arrasavam tudo o que estava à frente, a Rússia e a Inglaterra dominavam a geopolítica local, impondo o julgo imperialista com forças militares modernas e de forte poder destrutivo.

Imagem especular invertida de Khayyam, Benjamin encontra-se pressionado pelo romantismo inócuo e/ou pelo realismo selvagem. Independente do caminho escolhido, as perdas se transformam em dor. Seu relacionamento com a princesa Chirine, assim como o de Khayyam com Djahane, não termina em final feliz. A linha emocional que une os dois relacionamentos não consegue resistir às tensões e aos conflitos que surgem a cada instante. Possivelmente, esses relacionamentos inconclusos querem sinalizar que a felicidade é um estado transitório, que jamais adquirirá solidez.

Enfim, Samarcanda (Rio de Janeiro: Tabla, 2021) mistura romances, aventuras, história e um final pouco ortodoxo (mas que é anunciado na primeira página: No fundo do Oceano Atlântico há um livro. É sua história que vou contar).

Impresso em capa dura, com excelente projeto gráfico e tradução de Marília Scalzo, Samarcanda é indispensável leitura para quem se interessa pelo orientalismo, pela poesia, pelos livros e, sobretudo, pelo destino humano em uma região de intensos conflitos políticos.


Amin Maalouf



terça-feira, 22 de novembro de 2022

LIÇÕES DE GEOGRAFIA



Não conheço a cidade em que moro. Não conheço o município em que ela está situada (o maior de Santa Catarina: 2.644,313 km²). Não tenho constrangimento em dizer/escrever isto – embora tenha vivido em Nossa Senhora dos Prazeres mais de 90% de minha vida.

Em alguns momentos pensei que era possível me deslocar pelo corpo da cidade sem correr o risco de estar perdido. Estava enganado. Quem segue a mesma trilha todos os dias aposta na estabilidade, mas elimina a possibilidade de fornecer surpresas ao olhar.

Nesses anos todos, talvez para diminuir essa falta de percepção com o mundo que me rodeia, recebi algumas lições de geografia e que me ajudaram na tentativa de entender a cidade. Isso não aconteceu no colégio ou na universidade. Foram episódios prosaicos – sintomaticamente, mais educativos.

O primeiro professor foi o meu pai. Ele trabalhava no engarrafamento de bebidas Gerson Vargas (Rua Benjamin Constant) e percorria a cidade entregando os pedidos. Nos sábados eu o acompanhava. Contrário a distribuir mesada para os filhos, ele defendia a tese de que somente quem trabalhava pode desfrutar dos prazeres da vida. No meu caso, ir à matinê do Cine Tamoio, aos domingos. Ir ao centro da cidade – e se espantar com as vitrines das lojas, cobiçando roupas e brinquedos que estavam fora do alcance econômico da família – era sempre bom. Principalmente porque naquele tempo o meu mundo estava reduzido ao trajeto entre a nossa casa (Rua José Berlim) e o Centro Educacional Vidal Ramos Júnior (Rua Frei Rogério). Quando conheci os bairros Triângulo, Copacabana, Ferrovia, Caça e Tiro e Santa Helena, entre outros, meus limites espaciais foram ampliados exponencialmente. Percebi que não existiam obstáculos para o Chevrolet que o pai dirigia.

Minha mãe também me mostrou que o campo de ação está conectado com vida. Depois que se separou do marido, deu vazão ao instinto cigano e carregou os filhos para dezenas de lugares e bairros. Cohab (que depois passaria a se chamar Petrópolis), Morro do Posto, Centro (várias vezes), Várzea, Santa Rita, Brusque (várias vezes), Coral (duas vezes). Para ela, a beleza da vida era constituída de movimento, mistério e desassossego. Algumas vezes a mudança era fruto de desentendimento com vizinhos; em outras sequer arrumava desculpa para se deslocar. Em uma dessas ocasiões só fui conhecer o novo endereço quase quinze dias depois.

Meu terceiro professor foi João Cardoso. Vice-Prefeito, na década de 80 do século passado, ele se desentendeu com o titular do cargo e, por razões de segurança, montou gabinete no edifício Luciane (Rua Correia Pinto). Colocado à disposição, lá fiquei por alguns meses. Certo dia, em uma dessas conversas que ninguém sabe como começa, ele me perguntou se eu conhecia o perímetro urbano. Com a soberba dos jovens, respondi que sim. Ele me olhou com desdém e pediu para que o acompanhasse. Não foi um passeio turístico. Foi uma aula prática de sociologia. Em um fusquinha azul (não tenho certeza se era essa a cor), fomos até lugares que nunca imaginei existir. Sem fazer discurso ou propor uma discussão moral, João me mostrou o vórtice de horror. Ou uma fratura exposta. Moradias em áreas verdes, em regiões alagadas, construídas com materiais precários, prestes a desabar. Ruas de chão batido em que o número de buracos era superior à área pavimentada. Ausência de energia elétrica e água potável. A periferia (e seus escombros) produziu um choque emocional – do qual ainda não me recuperei.

Meu quarto professor foi Moisés Savian. Plantonista na Secretaria de Agricultura, o acompanhei pelas estradas do interior do município. Em alguns momentos (e não foram poucos) nos alimentamos de poeira. Mas também tivemos compensações. Pude rever a Coxilha Rica (Morrinhos, São Jorge), região em que meus avós tinham uma propriedade. Conheci Três Árvores, Macacos, Índios, Cadeado – locais onde foram realizadas reuniões e acordos. Essas viagens abriram – para mim – outra dimensão no município. Acostumado a viver na segurança assegurada pela região central da cidade, fiquei perplexo com a beleza da paisagem e sem entender a razão de ter me mantido afastado daquilo tudo por tanto tempo. Nos últimos anos, voltei ao paraíso diversas vezes.

Algumas pessoas perguntam sobre o que me motiva continuar morando em Lages. Não tenho resposta convincente para isso. Não posso usar como desculpa o filho, o emprego, o sossego, o masoquismo ou a lenda popular que diz que quem bebe da água do rio das Caveiras nunca mais se liberta. Citar qualquer um desses itens seria falsificar a verdade.

O que interessa é que eu me sinto bem morando na terra em que as minhas histórias adquiriram consistência e que comemora o seu 256º aniversário de fundação no dia 22 de novembro. Isso parece ser o suficiente.

sábado, 19 de novembro de 2022

DAS DIFICULDADES DE TORCER CONTRA

 



A Copa do Mundo de Futebol está próxima e eu vou torcer contra a equipe que dizem representar o Brasil. O quê?, exclamarão os exaltados patriotas, sem sequer tentar entender quais motivos me movem na direção contrária à unanimidade esportiva nacional.

 

Primeiro. Gosto de futebol. Moderadamente. Nas tardes de domingo ou nas noites de quarta-feira, uma partidinha na televisão nunca foi mau programa. Sofá, cerveja, pipoca. Se o jogo for bom, motiva-se o destampar de algumas muitas ampolas de pão líquido. Em caso contrário, aproveita-se o sofá para colocar o sono em dia. Exigir mais do que isso sempre me pareceu inadequado. Desafortunadamente, há quem discorde. Algumas pessoas acreditam que vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola têm o mesmo valor de um ritual religioso. Nesse cenário, o grito de gol equivale ao clímax, ao orgasmo. Bobagem. De minha parte, um grito de gol é apenas barulho irritante. Quando o gol é contra o Santos, muito mais irritante.

Segundo. O fanatismo, que é um fenômeno trivial no mundo esportivo, costuma gerar episódios excessivos. Um conhecido, depois de assistir – pela televisão – a derrota do time de sua devoção, chamou a família para uma solenidade no quintal de casa. Enquanto um dos empregados, clarim em punho, executava (literalmente) o toque de silêncio, ele, lágrimas escorrendo pelo rosto, hasteou a meio mastro a bandeira da agremiação esportiva.

Terceiro. O único momento em que considero o futebol como algo sério é nos jogos da seleção brasileira. Independente dos jogadores convocados, do técnico ou da importância do jogo, minha função nesse tipo de situação é simples: torcer contra. Não é uma posição cômoda. Certa vez, na casa de amigos, quase fui atingido por uma panela de pipocas. Foi em uma partida contra um país africano, não lembro qual. Fiz algum comentário sobre a miséria intelectual dos jogadores nacionais. A namorada de um dos convidados tomou as dores dos ofendidos. E... Transformou o utensílio doméstico em tacape. Se não a contivessem a tempo, provavelmente me presentearia com uns quinze pontos na cabeça.

Quarto. Em ocasiões similares, o tribalismo esportivo se faz acompanhar de agressões verbais. Como a seleção é considerada símbolo nacional, torcer contra é visto como heresia, crime, traição. Esse nacionalismo, herança de um pensamento autoritário, habitualmente é seguido por simpáticos elogios a respeito de minha masculinidade. A honra da senhora minha mãe também costuma ser mencionada com carinho. Fofo, muito fofo.

Quinto. Na pátria de chuteiras, segundo a histriônica definição de Nelson Rodrigues, muitos torcedores andam descalços. E com fome. E com frio. E com sede. Sede de justiça (aquela que todos conhecemos por tardar e falhar, sem constrangimentos, sem pedidos de desculpas). No país onde o drible, a firula, o passe de letra, o deixar o zagueiro da vez sem fôlego são qualidades indiscutíveis, a política esportiva se afasta da solução dos problemas reais. Muitos jogadores, além dos jornalistas esportivos, preferem adotar o comportamento alienado de que em boca fechada não entra mosca e que o importante é apenas jogar futebol. Em outras palavras, deixam as relações com o mundo objetivo sob o controle dos dirigentes – outorgando-lhes o uso como melhor lhes for convenientes. E, claro, eles os usam politicamente, inclusive para apoiar projetos pessoais.

Sexto. Na nação futebolística, a Copa do Mundo é a Disneylândia dos pobres. Nesse parquinho de diversões dirigido por um setor comercial que fatura milhões (Adidas, Nike, Puma, Kappa, New Balance, Le Coq Sportif, etc.), além das redes de televisão e seus anunciantes, a paixão esportiva é apenas um detalhe – e que eles exploram sem a mínima piedade. Do óleo de soja até os trajes esportivos, tudo é usado comercialmente como metáfora do sucesso esportivo.

Sétimo.  Futebol é política, é ação política. Como tudo na vida. Mas, para que se possa enfrentar um adversário prepotente, acostumado a vencer, precisamos acordar para a vida ou continuar sonhando sonhos que não são os nossos. Necessitamos entender que uma das finalidades políticas dos jogos de futebol é anestesiar dores, é desviar a atenção de problemas mais relevantes. E isso raramente pode ser considerado positivo.

Oitavo. Quem possui um mínimo senso crítico jamais esquecerá a importância política de jogadores brasileiros como Sócrates, Afonsinho, Juninho Pernambucano, Paulo André, Raí, Casagrande – todos contra o moralismo hipócrita do futebol, todos se afastando da alienação, do preconceito, do sexismo, da misoginia, da homofobia e do racismo. São pessoas essenciais. Precisamos deles. Mas, falta-nos um Éric Cantona, para dar uma voadora na iniquidade e na falta de empatia pela vulnerabilidade do Outro.

Nono. O futebol é um esporte que não consegue superar as próprias limitações – e é sempre um desastre do ponto de vista político.


Décimo. Vou torcer contra.