Em algum momento deixamos de entender o mundo. Ninguém sabe exatamente quando, nem porquê. Mas aconteceu. O que parecia simples (um conjunto de regras sobre a natureza e que encontrava explicação no poder divino) de repente se tornou complexo, repleto de nuances e interpretações de difícil entendimento. Alguns sociólogos afirmam que essa ruptura está relacionada com o progresso das ciências, ocasião em que surgiram novas formas de percepção para os fenômenos físico-químicos. Quase todos os mistérios desapareceram. Uma fenda se abriu entre o antes e o depois. Além disso, o progresso tecnológico avançou de tal forma que criou uma ética ad hoc. Século após século, o mundo ficou diferente. E raramente foi para melhor.
O chileno (nascido em Nederland) Benjamin Labatut analisa essas transformações em Como deixamos de entender o mundo (São Paulo: Todavia, 2022). O livro confirma o lugar comum de que existe uma linha muito tênue entre a genialidade e a loucura. Em muitos momentos se torna difícil distinguir quem está de um lado ou do outro. O que o livro informa é que o progresso da ciência depende mais dos malucos do que dos "normais".
As áreas de concentração dessa turma são aquelas que se relacionam com a matemática, a física e a química. Os estudos produzidos por esses pesquisadores proporcionaram o surgimento de uma nova abordagem para as ciências: o mundo quântico. Nesse cenário, destacam-se Karl Schwarzschild, Shinichi Mochizuki, Alexander Grothendieck, Erwin Schrödinger, Werner Karl Heisenberg, Louis de Broglie, Niels Bohr e Albert Einstein, entre outros.
Não foi um caminho fácil. Ao contrário, cada um desses pensadores encarava o objeto de estudo de uma forma peculiar e isso, além das dificuldades inerentes a um campo completamente inovador, exigiu uma disciplina que, muitas vezes, estava além das forças do pesquisador. Diante do abismo, Grothendieck e Mochizuki, por exemplo, preferiram caminhar na direção contrária – embora continuassem flertando com o monstro que não se cansava de querer dividir com eles a insanidade.
Nos séculos XIX e XX, quando a violência dos humanos contra os humanos se tornou uma prática corriqueira, a indústria armamentista – através dos avanços tecnológicos – foi aprimorada. O que ninguém conseguiu perceber é que isso também decretou a morte da humanidade. A vida se tornou um produto descartável, sendo que a primeira guerra mundial foi o laboratório para que essas armas (no início, gases que usam compostos químicos nocivos à saúde) fossem utilizados contra o inimigo. Estranhamente, são esses experimentos genocidas que permitiram que a ciência pudesse avançar na direção do uso racional dos elementos que constituem a natureza e de que forma é possível controlá-los.
Talvez tenha sido nesse momento que o entendimento do mundo se tornou nebuloso. As ilusões míticas, oriundas de um tempo ancestral, foram deixadas de lado e substituídas pelas formas inovadoras de abordagem das ciências. A técnica se tornou o elemento mais importante em todos os momentos de decisão. O passado perdeu a importância – porque abriga conhecimento inútil. O presente também não merece crédito. Somente o futuro, com suas promessas de destruição e de entendimento da totalidade, possuem algum valor. Mas, é preciso desfrutar dessas características avidamente, antes que o tempo as devore.
O livro termina com uma exposição romântica: o jardineiro noturno. Enquanto a natureza dorme, os indivíduos procuram se reconectar com os princípios vitais, com o pulsar do planeta. O progresso científico, em lugar de produzir alimentos e melhoria na qualidade de vida, multiplica os massacres e o extermínio humano. Ao constatar essa situação, a lucidez provavelmente se escondeu nas sombras – fugindo dos avanços de uma ciência que se alimenta da loucura.
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Benjamin Labatut |