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segunda-feira, 4 de agosto de 2025

ORBITAL

 


Seis astronautas (quatro homens, duas mulheres) estão na Estação Espacial Internacional. Enquanto esperam ser substituídos, conversam, mergulham em lembranças pessoais, observam o planeta. Enfim, Orbital, de Samantha Harvey (DBA, 2025), vencedor do Booker Prize (2024), é um daqueles livros onde não acontece nada. Os diálogos quase inexistentes não ajudam no romper da monotonia – que é a regra geral. O ritmo narrativo parece estar em câmera lenta e isso impede que surja qualquer tipo de tensão. O pensamento se sobrepõe às ações.

São os detalhes que compõem a narrativa – seja com os pés no chão, seja o corpo flutuando. E a maneira como eles se deslocam pelo labirinto da nave, como se fosse um naufrágio – os espaços apertados, as escotilhas que dão para tubos estreitos que se conectam aqui e ali em padrões quase idênticos. O sentimento claustrofóbico está presente a todo instante. Mesmo assim, no dia a dia, cada um dos tripulantes precisa realizar uma série de tarefas específicas dentro e fora do veículo espacial (fazer exercícios físicos, experiências científicas, fotografar e filmar o planeta, manter a espaçonave funcionando, instalar o espectrômetro). A norma está em repetir incansavelmente as regras de sobrevivência em um mundo artificial. Não há situações de emergência ou ameaças extraterrestres.         

Aqueles que (de uma forma ou de outra) estão temporariamente exilados no espaço, condenados à repetição interminável que o percurso espacial lhes oferece, assistem os movimentos essenciais do planeta (rotação, translação): a nave segue em órbita, deslocando-se de continente em continente, norte e sul, um olho obsessivo a observar, reunindo e calibrando a luz. Um espetáculo somente acessível para raros privilegiados. E repleto de surpresas. O sol iluminando os continentes, a aurora boreal, a devastação que acompanha os tufões, vulcões em erupção, a luz refletida na lua, o modo como o planeta parece respirar, a sensação utópica de que os espaços físicos que compõem o mundo não estão recortados por fronteiras, por guerras, por ambições desmedidas (fatores que certamente estão contribuindo para a destruição lenta do planeta).

Existem outras coisas, outras emoções, sensações peculiares, difíceis de expressar com palavras: Quando os seis conversaram sobre a caminhada espacial de cada um depois, descreveram um déjà-vu – eles sabiam que tinham estado lá antes. Roman diz que talvez tenha sido causado por memórias ocultas de estar no útero. Para mim, essa é a sensação de estar no espaço, ele disse. Não ter nascido ainda.  

Observar a imensidão que separa o planeta e o universo desconhecido (planetas, galáxias, estrelas, buracos negros, etc.) por aqueles que se aventuram no mundo exterior não significa paz, tranquilidade ou serenidade. A redoma artificial que abriga os astronautas por vários meses (eles estão tão juntos e tão sozinhos) não os protege das lembranças do que viveram (ou deixaram de viver) na Terra: a morte da mãe de Chie, o cartão postal com a pintura de Velásquez, a ausência de um tapete, os amigos isolados em uma ilha do Pacífico, saudades da família, o foguete cujos propulsores, durante o lançamento, queimam o combustível de um milhão de carros.  

Orbital, exercício de linguagem, filosofia e ternura, relato sobre o isolamento físico e emocional, potência literária, práxis poética.


Samantha Harvey