Considerado pela crítica especializada como
uma versão contemporânea do clássico A Doce Vida (La Dolce Vita. Dir.
Federico Fellini, 1960), o filme A Grande Beleza (La Grande Bellezza. Dir.
Paolo Sorrentino, 2013), alternando momentos de nostalgia e crítica social, venceu vários
prêmios internacionais, inclusive o Globo de Ouro (2014), BAFTA de Melhor Filme em Língua Estrangeira (2014) e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (2013).
Aos 65 anos, o jornalista e escritor
bissexto Jep Gambardella (interpretado por Toni Servillo) é um bon-vivant intelectual
– desses que misturam o cinismo e a alta cultura em doses desproporcionais, de
acordo com as circunstâncias e o grau de tédio. Mora em uma cobertura, próximo
das ruínas do Coliseu (lugar onde os imperadores romanos transformavam a
bravura dos gladiadores em diversão perversa). Logo depois da interminável e
dionisíaca comemoração de seu aniversário, Jep lança um olhar melancólico para o
passado e percebe que alguma coisa está faltando em sua vida. Embora esteja
cercado por amigos, conhecidos e celebridades, são as angústias produzidas pela
solidão que prevalecem. O hedonismo, assíduo e inconsequente, constantemente
reprisado em festas, jantares e encontros sexuais, se mostra insuficiente para
suprir as questões básicas do existir. Falta consistência no glamour. Sobra
superficialidade. Não há vida interior. Tudo é aparência. E vazio. Na minha
idade, a beleza não basta, racionaliza o pacto faustiano que encena.
Roma oferece ilusões e devora os sonhos de quem imagina ser possível obter sucesso na capital italiana.
A grandiosidade do antigo centro do mundo (espelhada em palácios, praças, jardins,
fontes, monumentos, estátuas, pinturas), sem se preocupar em distinguir o
verdadeiro do artificial, acolhe com igual fervor a sofisticação, a decadência e
a religiosidade. O velho é melhor que o novo, diz Dadina, a anã, dona da editora
que emprega Jep, sublinhando a preocupação de todos os habitantes de Roma em impedir que ocorram modificações substanciais na paisagem. Como lembra
Walter Benjamin, em outro contexto, o rosto do anjo da história está voltado
para o passado. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os
fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com
tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o
amontoado de ruínas cresce até o céu. O turista japonês, acometido pela
Síndrome de Stendhal (desmaiar diante da beleza), ou os personagens exóticos que
surgem a todo instante (travestis, prostitutas, o cardeal que só consegue
conversar sobre receitas culinárias, a freira que imita Madre Teresa de Calcutá) servem
de alavanca para ressaltar que o mundo das dissimulações está conectado com o
viver em sociedade.
Os amigos de Jep (Romano, Stefânia, Ramona, Viola, Lello) também estão presos na armadilha. A cultura não lhes oferece
uma porta de salvação. Isso não constitui um impedimento para que citem, sempre que possível, Gustave
Flaubert, Alberto Moravia, Luigi Pirandello, Marcel Proust, Ivan Turgueniev,
André Breton, Fiodor Dostoiévski, entre outros. A relação de falsa intimidade
com a erudição literária e artística serve de anestésico para quem não possui
força para suportar a crueldade do mundo "real" (seja lá o que isso for). Eles
estão velhos demais. Em momento impreciso perderam a possibilidade de obter
algum tipo de redenção. Tiveram que comercializar os raros talentos que
receberam do destino no mercado desvalorizado das aparências, dos supérfluos e
da corrupção intelectual. Não por acaso, Romano, antes de voltar para a
província, negando as escolhas que fez durante toda a sua vida, afirma que Roma me decepcionou.


Jep parece dizer a todo instante que a existência humana se transformou em uma zona de conflito entre o tudo e o nada, entre o sacro e o profano. Sic transit gloria mundi. A história que a câmera está narrando para o espectador se perde em travelings emocionais e instantes de realismo mágico. A aparição de uma inesperada girafa em momento dramático ou os flamingos que pousam na sacada de Jep ou o nonsense dos nobres de aluguel reinstalam, pelo olhar de Sorrentino, o universo de Federico Fellini (principalmente, o inesperado que surge em várias cenas de E La Nave Va, filmado em 1983) e possibilitam um passeio panorâmico pela magia do cinema.
No entanto, tudo é naufrágio - como comprova a voz de Jep, em ritmo de despedida, quase que o lamento do sobrevivente de um naufrágio, alguns instantes antes de aparecerem na tela os créditos do filme: É sempre assim que termina, com a morte. Antes, no entanto, houve a
vida, escondida embaixo do blábláblá... É tudo sedimentado por baixo das
conversas e do barulho. O silencio e o sentimento. A emoção e o medo. Os
frágeis e inconstantes vislumbres de beleza. E, depois, a maldita desolação e a
humanidade miserável. Tudo debaixo do constrangimento de estar no mundo.
Blábláblá... Mais além está o mais além. Não penso no está mais além. Portanto,
que comece essa história. No fundo, é só um truque. Sim, é só um truque.
Paolo Sorrentino (Nápolis, 31 de maio de 1970) dirigiu O Divo (Il Divo, 2008), Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place, 2011) e A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013).
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