Talvez o maior problema do romance
policial contemporâneo seja o de descobrir (ou elaborar) um enredo inovador.
Usualmente, isso se mostra uma impossibilidade. Conforme a técnica narrativa
evoluiu e milhares de romances foram publicados, quase todos os temas – e suas
variações – foram vasculhados das maneiras mais surpreendentes possíveis.
Sobraram poucas alternativas em uma terra fértil e, circunstancialmente, arrasada.
Por isso, a opção básica mais frequente está em reelaborar algum assunto conhecido,
dando-lhe conteúdo ou, quiçá, se houver sorte, uma nova embalagem – que, em
muitos casos, serve de substancial distração para o leitor menos avisado.
Entre as múltiplas escolhas possíveis, o
enigma do quarto fechado costuma ser uma opção muito tentadora. Seguindo o
roteiro proposto por Agatha Christie, que publicou, em 1939, Ten Little
Niggers (traduzido, inicialmente, no Brasil. como O Caso dos Dez Negrinhos,
e que a tolice editorial, por conta do politicamente correto, transformou,
recentemente, em E Não Sobrou Nenhum), a ideia propõe colocar uma personagem,
ou várias, em uma sala fechada e manipular os acontecimentos até que a tragédia
aconteça. Na visão do leitor, potencialmente um voyeur, esse tipo de situação
fornece destaque para duas questões antagônicas. A primeira, menos importante, consiste
em descobrir quem praticou o inominável. A segunda, mais inventiva, se relaciona
com o modus operandi.
Suicidas, primeiro romance de Raphael
Montes, publicado em 2012, segue essa trilha, escorado em uma charada bastante
interessante: por que nove jovens escolheram praticar suicídio coletivo, no
porão de uma mansão? A trama está dividida em três planos narrativos. Como a
teoria da literatura considera – por diversos motivos – que os narradores em
primeira pessoa não são confiáveis, delegar duas camadas de informações a um
mesmo narrador enfraquece bastante o desenvolvimento textual. E esse é um problema
bastante significativo, na medida em que não permite contraste entre possíveis
versões dos acontecimentos ou a elaboração de um número maior de dúvidas sobre
o comportamento das personagens.
Um dos relatos é uma espécie de diário
intimo de Alessandro Parentoni de Carvalho, um dos suicidas, e que foi
encontrado em seu quarto. O outro documento é um esboço de narrativa, baseado
em “fatos reais”, também escrito por Alessandro, e que – por milagre! – se
salvou do incêndio que foi debelado pela polícia quando chegou à propriedade
onde aconteceram as mortes múltiplas.
No intervalo entre os dois documentos há uma reunião, na chefia da Polícia Civil, um ano depois dos
trágicos acontecimentos, com as mães de oito das vítimas. Esse artifício
narrativo, gerenciado por um narrador que está acima de Alessandro, centraliza em
estrutura teatral (inclusive com as devidas didascálias, que são as instruções
relativas ao comportamento e procedimento dos atores) o melodrama histérico. Gritos,
acusações, contra-acusações e dispersões analíticas assumem o proscênio. Por
fim, na discussão sobre os últimos acontecimentos da vida dos filhos, impera a
ausência masculina. Para o leitor que conhece alguns rudimentos da psicanálise,
a hipótese de todos os envolvidos serem filhos de inseminação artificial soa
como descabida. Em paralelo, cabe destacar que o único pai
presente no texto é descrito como um sujeito agressivo e perverso e que, claro,
morre logo – vítima de um acidente de automóvel.
O romance está alicerçado na interposição
desses três planos narrativos e no ordenamento homeopático, que vai fornecendo a sequência da história. Ao mesmo tempo, a descrição dos conflitos "amarra" o leitor, que precisa ler o próximo capítulo para descobrir como os diversos elementos do discurso estão encadeados. No momento em que cada capítulo começa
a apresentar sinais de cansaço, o narrador geral muda o plano narrativo,
introduz algum novo elemento, e, ciente de que não há problemas, continua em
frente, nesse ritmo monocórdio, por 487 páginas – que se fossem resumidas em
cerca de 250 provavelmente seriam muito mais eficientes e menos maçantes.

Todos esses elementos contribuem para
tornar quase óbvia a conclusão da narrativa – que se assemelha a tantos outros
desfechos clássicos do romance policial. Uma vez localizada a chave-mestra, basta encaixar as peças soltas do
quebra-cabeça. Em outras palavras, Suicidas é um
bom entretenimento, mas está longe de apresentar uma carpintaria narrativa de
qualidade.
P.S.: O momento de maior criatividade de Suicidas encontra-se na última página quando, simulando autoficção, o narrador
Alessandro muda de nome duas vezes e assume, de forma definitiva, o pseudônimo
Raphael Montes. É uma boa sacada.
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