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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

NÓS, OS LEITORES DE POESIA

 

Mary Stevenson Cassatt (1843-1926). Mrs. Duffee seated on a striped sofa,
reading.
Oil on panel, 1876. Museum of Fine Arts, Boston, Massachusetts. 


Dizem que os livros de poesia não são produtos com grande fluxo de venda. Por isso, e por outras razões, costumam ficar esquecidos nas estantes das livrarias – onde, eventualmente, serão adquiridos pelo mais assustador dos fantasmas literários: o leitor de poemas.

Livros são, antes de tudo, mercadorias. E, nessa prosa descolorida, mas que projeta render loas ao capitalismo, ninguém oferece rima ou solução. São as regras do jogo e só os loucos rasgam dinheiro. Tudo está reduzido à questão econômica. Poesia não dá camisa a ninguém (como era comum afirmar em tempos ancestrais). Mesmo assim, a leitura consolida um ato de resistência contra a objetificação – especificamente – da poesia e do poema.   

En la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras / noches / poemas, escreveu Paulo Leminski, para nos lembrar que o ato poético está intrinsecamente ligado com a política e que, simultaneamente, o poema, mais do que um catálogo de emoções, não deve (não pode) ficar à margem da História, sem reagir aos acontecimentos. Essa história de I have measured out my life with coffee spoons (tenho medido minha vida com colherinhas de café), do T. S. Eliot, não combina com quem vê a poesia como proposta política, social e econômica.

Você entra na livraria e vai procurar pelos livros de poesia? Eu vou. E, claro, são poucos, quase nenhum, os que encontro. Na mentalidade capitalista, há quem imagine que esses livros estão ocupando o espaço dos besta-sellers, dos livros que projetam lucro. O comum é encontrar aquelas publicações destinadas ao universo escolar, alguns títulos da lista de leituras para o vestibular.  Os outros, aqueles que o leitor interessado procura, talvez estejam em locais obscuros, embaixo de uma escada ou no fundo do estabelecimento. Com sorte talvez seja possível localizar um ou outro lançamento (desde que sejam de alguma editora conhecida), livros que foram recomendados pelos pseudocríticos das redes sociais e que receberam miríades de adjetivos sem substância, algo parecido com “manifestação de sensibilidade e delicadeza de quem sabe interpretar o mundo através de imagens inigualáveis”.

A poesia mimetiza a Medusa – ser mitológico com cabelo de serpente, corpo escamoso e que transformava em pedra aqueles que a olhassem diretamente. Uma probabilidade: o medo afasta o leitor de poesia. E se alguém for capaz de traduzir os seus desejos mais íntimos – aqueles que esconde inclusive de si mesmo – e os revelar ao mundo? Esse espelho não tem boa aceitação no mundo a-pós-o-moderno. Surge em represália a essa ameaça o ódio à poesia. Um afastamento seletivo, uma negação de tudo o que constitui o humano. Ben Lerner escreveu um ensaio erudito sobre o tema e concluiu dizendo: Tudo o que peço aos odiadores – dos quais eu, também, sou um – é que se esforcem para aperfeiçoar seu desprezo, pensando até em levá-lo a se relacionar a poemas, em que ele será aprofundado, não dispersado, e em que, criando um lugar para a possibilidade e as ausências presentes (como as melodias não ouvidas), ele pode chegar a se parecer com amor.   

Talvez seja isso: a poesia desencadeia tempestades, causa contradições, nos faz entrar nas livraria, procurar por livros de poesia e ser surpreendido por Cristina Peri Rossi:


É bom lembrar – ante tanto esquecimento –

que a poesia nos separa das coisas

pela capacidade que tem a palavra

de ser música e evocação,

além de significado,

o que permite amar a palavra infeliz

e não o estado de infortúnio.

Tudo isso não precisaria ser dito outra vez

se o leitor

– tão desmemoriado quanto qualquer poeta –

recordasse um poema de João Cabral de Melo Neto:

flor é a palavra

flor, verso inscrito

no verso,

que li há anos,

esqueci depois

e hoje voltei a encontrar,

como você, leitor,

leitora,

faz agora.  



Peter Worsley. Woman reading. Oil on canvas.


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