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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TODA SUA (UM ROMANCE PORNOGRÁFICO)

Mais do mesmo é uma das melhores fórmulas para o sucesso. E para enganar o público. Esse recurso costuma ser usado principalmente para quem não possui talento. Esse recurso costuma ser usado principalmente por quem possui talento para plagiar. Basta reciclar um modelo consagrado, mudar algumas bobagens aqui e ali, alterar nomes, centralizar o enredo em algum lugar charmoso – e utilizar todos os recursos de marketing que estiverem ao alcance.

Salvo engano, Toda Sua, primeiro volume da trilogia Crossfire, escrito pela estadunidense Sylvia Day, deve ser o romance pornográfico mais ridículo que a indústria editorial brasileira teve coragem de comprar no lixo das publicações mundiais. Sintomaticamente − segundo o discurso persuasivo da orelha –, alguns leitores e críticos especializados o consideram melhor do que Cinqüenta Tons de Cinza, de E. L. James. Difícil acreditar nessa conversa para boi dormir. A narrativa da inglesa possui um vestígio de enredo, uma linha muito vagabunda por onde o texto flui. Nem isso a cópia pode declarar. A estética proposta pelo livro de Sylvia Day é idêntica a dos filmes pornográficos – muita ação e pouca reflexão. Há quem goste. E isso, obviamente, explica porque esse tipo de porcaria vende milhares de exemplares. Ou porque a editora responsável pela publicação no Brasil optou por usar uma capa aveludada (imitando, mais uma vez,Cinqüenta Tons de Cinza).

Toda Sua coleciona clichês. Os piores possíveis. Gideon Cross, um charmoso empresário multimilionário, se apaixona por Eva Tramell, funcionária de uma empresa de publicidade. Ela também é milionária – dessas que não se preocupam com o dinheiro (que está sob guarda do atual padrasto). Residindo em Nova Iorque, freqüentando os melhores restaurantes, bebendo champanhe como se fosse água mineral, o casal vive uma relação passional, repleta de crises emocionais. A cada dois segundos, ou umas dez páginas, discussões furiosas, brigas histéricas. Os motivos são banais. Ciúmes e intolerância liderando a fila. As reconciliações são ganchos para intermináveis e detalhadas descrições sexuais. Tem de quase tudo: cunnilingus, felação, sexo vaginal. As restrições ficam por conta de um diferencial: Gideon e Eva foram vítimas de abuso sexual no passado. A história de Eva já foi revelada: o filho adolescente de um dos muitos homens que desfilaram pela cama de sua mãe ultrapassou a linha da decência e a estuprou quando tinha dez anos. Estranhamente, em lugar de se mostrar frígida ou temerosa com relacionamentos sexuais, Eva se tornou um vulcão sexual. Melhor para Gideon − que desfruta de toda essa loucura. Quer dizer, nem sempre ele consegue aproveitar. Gideon apresenta defeito em algumas circunstâncias. Parassonia sexual atípica é o nome científico da doença que o acomete: comportamento violento durante o sono, freqüentemente envolvendo agressão sexual contra o(a) parceiro(a).

Além desse problema, Gideon Cross sofre da necessidade quase dolorosa de fornecer orgasmos para sua parceira. Muitas mulheres sonham com esse tipo de Príncipe Encantado. Provavelmente, imaginam que ganharam na loteria. Como esse tipo de homem só é possível em fantasia, ou em livros ruins, o leitor ou a leitora logo percebe o básico: as aparências enganam e o sujeito esconde muitos segredos.

Cary Taylor, uma espécie de valet de chambre de Eva Tramell, complementa a linha de frente da narrativa. Modelo fotográfico, bissexual e autodestrutivo, Cary mora junto com Eva e serve como conselheiro sentimental da ninfomaníaca. Ao mesmo tempo, acrescenta significativas doses de ação ao livro: ao final do texto, durante um ménage à quatre", se diverte sendo um dos recheios de um sanduíche duplo.

Toda Sua não é literatura. No máximo, na falta de algum vídeo pornô, material para masturbação.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

ALGUÉM PARA AMAR NO FIM DE SEMANA

Literatura é conquistar o leitor com boas histórias. Basta um enredo criativo, linguagem límpida, objetiva, e esses truques do a-pós-o-modernismo (experimentações com múltiplos narradores, monólogo interior, prolepses e analepses, metaficção, auto−ficção, fricção demi bombé) se tornam supérfluos. O que vale é a simplicidade dos relatos com início, meio e fim − nessa ordem. Que a desordem é de outra ordem − concorde ou não o leitor. O que importa é o combate corpo−a−corpo. Passeios por alcovas e matagais, ais e uis femininos compondo parte da trilha sonora. Gozar é a regra. Sem medo, sem culpa, sem desculpa. Tesão como estratégia narrativa.

Alguém para Amar no Fim de Semana, livro de contos (uma quase novela fragmentária, como diz Luiz Ruffato), brinca de dar voltas em torno de si mesmo, como que a querer voltar ao ponto. Retomar a ponta. Da erva maldita. O livro é todo perfumado. Un concentré d'odeurs intimes de femme, diria algum poeta passadista, desses que esquecem que o amor rima com dor em poemas paupérrimos; um desses poetas que nunca conseguirão apre(e)nder que a felicidade não se mistura com as fantasias românticas.

Luis Roberto Guedes, maitre à penser, driblando a selvageria atemporal que acompanha o existir, não deseja se afogar em pouca água. Quer exercer suas vontades em, no mínimo, um oceano. Talvez para poder construir embarcações com as palavras. Talvez para se esconder da crueldade − essa mulher com um sorriso encantador. Ou será enganador? Não importa. A vida é confusão. Fusão de equívocos e perigos. Pessoas inexistentes, Dois Elementos num Jipe Amarelo ou A Ilha dos Caranguejos relatam, delatam, o fluxo da barbárie.

Em outro tom, a voz de Billie Holiday escorrendo pelo mundo, formigando a pele, produzindo arrepios, prometendo sabores sexuais: o escritor cego que é seduzido (ou seduziu?) a secretária; a potência emocional do marido impotente que autoriza o acesso adolescente às necessidades da esposa; o desesperado que telefona para todas as mulheres que conhece e não encontra alguém para acompanhá-lo em uma festa (ou a um motel). O cenário de bolero fora de moda se completa no imobilismo do cara que foi abandonado pela mulher amada e recebe a visita do meio−irmão (que está se mudando para o Rio de Janeiro). Quando percebe que o isqueiro foi esquecido em cima da poltrona, o rejeitado corre até a rua para devolver o objeto e descobrir que destino de corno é triste: Deu tempo de ver uma figura de mulher no banco do passageiro, e de ouvir sua risada de pura felicidade, aquela risada infantil de Maria Alice.

Alguns contos são bem−humorados. Quer dizer, agridoces: o sabor travoso está sempre presente, a impor avisos de que as aparências enganam e que, por trás do cenário com cada coisa em seu lugar, há todo tipo de improvisos e violências. Josué Peregrino (algumas vezes acompanhado por seus primos, Zelito e Jefferson, ou pelo baterista Marcão), na medida em que tenta escapar da loucura cotidiana, assemelha−se a um Argonauta: quer encontrar o velocino de ouro. Nada muito explícito. Quem é que consegue resistir aos seios durinhos da namorada? Joboy é que não. Aos prazeres bem remunerados proporcionados pela mulher que complementa a renda de empregada doméstica domesticando ereções? Novamente Joboy sucumbe. Loucura pouca é bobagem, comprova quando encontra Maia Moon na Lua Minguante – esfinge que estabelece oásis outros.

A vida − pulsante, visceral, brutal – está presente em todas as páginas de Alguém para Amar no Fim de Semana. Para o bem ou para o mal, parece desmentir uma das melhores frases do livro: Só escritores é que se ocupam de pessoas que não existem.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

VIDA – TRÊS DÚZIAS DE FRASES

Viver bem é a melhor vingança. (Provérbio Basco)

Vida é o que acontece enquanto você está fazendo outros planos. (John Lennon)

A vida é dura e os cem primeiros anos são os piores. (Wilson Mizner)

Viver é desenhar sem borracha. (Millôr Fernandes)

A vida é uma doença incurável. (Abraham Crowley)

A vida é uma ópera bufa com intervalos de música séria. (Machado de Assis)

Só há duas coisas inevitáveis na vida: morte e impostos. (Benjamin Franklin)

Antes de suportar a vida, convém tomar anestesia. (Karl Kraus)

Nunca precisei de sonhos para interpretar minha vida, mas da vida para interpretar meus sonhos. (Susan Sontag)

Uma vida inteira de felicidade! Nenhum homem vivo conseguiria suportá−la. Seria o inferno. (George Bernard Shaw)

Que bela comédia seria essa vida se não fôssemos os protagonistas dela! (Denis Diderot)

Tudo bem que a vida humana não passe de um teatro. O problema é que grande parte dela é só um melodrama barato. (Malcolm Muggeridge)

Muitas vezes a vida real é aquela que não vivemos. (Oscar Wilde)

Viver faz mal à saúde, envelhece, cria rugas, dá reumatismo, ataca os rins, o fígado e o coração. (Fernando Sabino)

Descobri cedo na vida que continuar vivendo era a única maneira de continuar sobrevivendo. (Groucho Marx)

Entre as três melhores coisas da vida, comer está em segundo e dormir em terceiro. (Stanislaw Ponte Preta)

Vida é algo que se faz quando não se consegue dormir. (Fran Lebowitz)

Meço minha vida com colherinhas de café. (T. S. Eliot)

No desenvolvimento da vida intelectual, só se extravia quem sabe aonde está indo. (Oscar Wilde)

O fato básico sobre a existência humana não é o de que ela seja uma tragédia, mas uma chatice. (H. L. Mencken)

O sentido da vida é que ela acaba. (Franz Kafka)

(...) A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. (Machado de Assis)

A vida é uma coisa muito importante para ser discutida a sério. (Oscar Wilde)

Aqueles que não conseguem vencer na vida, vingam−se falando mal dela. (Voltaire)

A vida não é tão ruim assim, desde que você tenha sorte, saúde e pouca imaginação. (Christopher Isherwood)

Levar uma vida dupla é a única preparação adequada para o casamento. (Oscar Wilde)

A vida não é um retrato: é uma caricatura, e nem é parecida. (Millôr Fernandes)

Os vivos são os mortos em férias. (Maurice Maeterlinck)

A vida só lhe dera alegrias médias e dores máximas. (Machado de Assis)

A vida pode ser um cabaré, mas não no meu bairro. (Fran Lebowitz)

A vida se divide entre horrível e miserável. (Woody Allen)

Saio da vida para entrar na Historia. (Getulio Vargas)

Envelhecendo, tornamo−nos mais loucos e mais sábios. (La Rochefoucauld)

Envelhecer não é tão mau assim, quando se considera a alternativa. (Maurice Chevalier)

Todo mundo e capaz de envelhecer. Basta viver o suficiente para chegar até lá. (Groucho Marx)

A morte não é o fim. Sempre resta a briga pelo espólio. (Ambrose Bierce)

(As ilustrações reproduzem pinturas do estadunidense Edward Hooper, 1882-1967)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PARAÍSOS ARTIFICIAIS


Uma das trilogias que caracterizam o a−pós−a−modernidade (sexo, drogas e música eletrônica) encontra companhia nas histórias que acenam para o desencontro (amoroso, familiar, social). Em outras palavras, por mais injusto que isso possa parecer, o prazer possui prazo de validade e finais felizes não são compatíveis com narrativas que tangenciam a marginalidade comportamental.

Paraísos Artificiais (Dir. Marcos Prado, 2012), título que remete ao texto clássico de Charles Baudelaire, é um filme com um pé no consumo e outro no tráfico de drogas sintéticas. Acenando para a tradição da história musical – que está repleta de músicos dependentes químicos de todos tipos, independente do gênero musical – e dos drug-dealers, a história inicia em uma rave em uma praia no Nordeste e continua em Amsterdam. Reunindo clichês do mundo underground o filme dialoga (mesmo que seja de forma rápida) com algumas narrativas transpostas para o cinema: O Expresso da Meia−Noite (Midnight Express. Dir. Alan Parker, 1978), Trainspotting (Trainspotting. Dir. Danny Boyle, 1996), Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream. Dir. Darren Aronofsky, 2000) e Meu nome não é Johnny (Dir. Mauro Lima, 2008), entre outros.

A diferença está no tom utilizado pelo diretor do filme, que se apoiou na suavidade romântica para contar uma história sobre os perigos resultantes da falta de unidade familiar e da autodestruição. Além disso, como filtro para diluir questões mais agudas, Marcos Prado misturou inúmeras cenas de sexo selvagem e algumas ilusões: em terras européias, a história interrompida no Brasil se transforma em algo mais profundo. Unificando as situações, um menino criado sem o amor do pai.

Tudo começa quando Erika (Nathalia Dill) e Lara (Lívia de Bueno), junto com inúmeros amigos alternativos, participam de uma rave. Erika é DJ e foi contratada para trabalhar na festa. Lara não tem muitas ambições: quer aproveitar das coisas boas da vida. Isso significa dançar muito, ficar chapada o tempo todo e trepar sempre que for possível. Quando as duas mulheres estão juntas, Nando (Luca Bianchi), típico garotão carioca, é envolvido em uma rede de sedução – de onde não faz o mínimo esforço para escapar.

O resultado de tamanha confusão é uma tragédia básica (Lara morre em consequência de uma overdose). Os três amantes se separam. Sobram cicatrizes dolorosas.

Nando e Erika se encontram alguns anos depois em Amsterdam – o rapaz, por falta de sensatez, concorda em ser mula do tráfico internacional. Nova separação. Na volta ao Brasil, Nando é preso e passa quatro anos na prisão.

O desfecho da trama somente ocorre no Rio de Janeiro, quase por acaso, em uma dessas soluções ad hoc que caracterizam narrativas com problemas de amarração estrutural.

Parte do dinamismo do filme foi resolvido na mesa de montagem. Intercalar os três momentos temporais (rave, Amsterdam e depois que Nando saiu da prisão) é um truque que se mostra sumamente eficiente para conseguir captar a atenção do espectador.

Outro diferencial é a trilha sonora, que foi composta por Rodrigo Coelho e produzida por Gustavo MM. No set list estão Deadmou5, Renato Cohen, Flow et Zeo, Froga Cult e Magnetrixx.

Produzido por José Padilha (leia−se Tropa de Elite 1 e 2), Paraísos Artificiais tenta fornecer uma nova versão para um problema antigo: como aproveitar o que há de bom nas drogas e escapar impune. Não chega nem perto. O moralismo burguês não consegue se controlar e, repetindo inúmeros lugares comuns em parábolas edificantes, nada faz além de repetir o óbvio.

Marcos Prado, diretor de Paraísos Artificiais

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

SEXO, MENTIRA E CINEMA

A história da arte sempre se alimentou de pequenos escândalos, que resultam em grandes confusões. De Michelangelo a Jackson Pollock, de Amadeus Mozart a Cole Porter, de Buster Keaton a Peter Greenaway, de Homero a James Joyce, independente da qualidade da obra artística, o que a marcará como diferente das demais – e, por isso mesmo, com maior número de admiradores e inimigos (leia−se público) – é a intensidade da polêmica que causou no momento em que foi apresentada.

Como grande parte da inteligentzia adora usar esse tipo de estratégia (também conhecida como síndrome do holofote), a regra geral passou a ser o uso de inovações (efeitos especiais, por exemplo) e temas polêmicos para obter o sucesso a qualquer preço. Todos estão cientes de que um bom marketing, independente de ser contra ou a favor, garante futuro e dinheiro.

No final do século passado, o filme Romance (Romance X. Dir. Catherine Breillart, 1999) obteve 15 minutos de fama. Infelizmente, pelos motivos errados. Apresentado como pornográfico, o filme teve sessões concorridas em 2000, no Festival do Cinema Francês, que teve edições em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O mais significativo é que Romance − assim como alguns outros filmes, inclusive o excelente Nove canções (9 Songs. Dir. Michael Winterbottom, 2004) − não é pornográfico. Embora pareça. Motivos para tal confusão não faltam. A curiosa presença de Rocco Sifreddi, astro de centenas de filmes de sexo explícito, é um bom motivo para colocar o filme sob suspeita. Mas, convenhamos, suspeita é uma palavra tola diante da cena em que o garanhão italiano revela todo o seu, digamos, potencial artístico. São oito minutos (segundo os tarados que cronometraram) de sexo explícito.

E, como se não bastasse, o Romance coleciona outras delicadezas de igual quilate (felação, sadomasoquismo, estupro, etc.). É um prato cheio – para quem gosta deste tipo de iguarias.

Apesar disso tudo, Romance não pode, não deve, ser considerado um filme pornográfico. Por quê? Simples, não é um filme sobre sexo – embora tenha sexo, o que, convenhamos, é muito diferente.

Na modernidade não há mais lugar para aquelas metáforas pretensamente ingênuas, que eram usadas no início do cinema hollywoodiano: o quarto com duas camas; o casal entrando no quarto; a porta que se fecha lentamente; a câmara, como se fosse uma extensão de nossa curiosidade, focada no exato instante em que, através da fresta da porta, alguém apaga a luz lá dentro. Na platéia, o público dava uma piscadinha marota, demonstrando que havia entendido as sutilezas do desejo.

Na vida real não é assim. Diante da encruzilhada, os teóricos costumam perguntar: o cinema precisa ficar reduzido ao artificial? Mais do que depressa, respondem: não. Apoiados no pensamento de alguns diretores contemporâneos, principalmente europeus, defendem a tese de que o cinema, ou melhor, um entre os diversos tipos de cinema, deve estar comprometido com a realidade de tal forma que seja possível obter o grau zero de irrealidade (mesmo que, paradoxalmente, esses momentos possam parecer reais demais).

Romance é um filme triste. Desses que muitos espectadores dirão que é chato, insuportavelmente chato. Estão errados. O brasileiro médio está (muito mal) acostumado com o ritmo do cinema estadunidense (muita ação, pouco sentimento).

Romance procura outro andamento narrativo e aposta no tom intimista para retratar o desencontro amoroso. Paul (Sagamore Stevenin) e Marie (Caroline Ducey) estão em crise: Paul não mais deseja sexualmente Marie. Não é somente isso: há poucos sentimentos unindo o casal, falta um entender o que o outro quer. Quando conversam, as frases são desconexas, sem sentido, sem amor – assim como a relação que eles vivem. Frustrada, Marie procura outros homens. No entanto, esses encontros são insuficientes para resolver os problemas que a afligem.

Em Romance, as cenas de sexo explícito são uma forma de expressar o quanto a vida pode ser deprimente quando não se possui objetivos definidos. Esse desconforto, expresso nas atitudes dos personagens e visível nos olhos dos espectadores, parece real, como a história de alguém que conhecemos (e que, claro, muitas vezes mimetiza a nossa).

O desfecho da trama é complicadíssimo e daria um bom ensaio, desses que analisam misoginia, delírios feministas e sub−psicanálise. Breillat, com o nítido propósito de embolar o meio de campo, adota um final de características literárias. Marie fica grávida. Paul (que talvez seja o pai da criança) morre. No velho estilo viúva alegre, Marie recupera a alegria de viver.

Romance é um filme provocativo, desses que colocam o espectador contra a parede. As cenas de sexo explícito são tão agressivas que perdem a função considerada principal: excitar. O efeito que o filme causa é outro: assustar. Ninguém está preparado para ir ao cinema (ou assistir um DVD) e ver certas intimidades – que, o conservadorismo burguês gostaria de guardar debaixo do tapete, junto com outras sujeiras do cotidiano. Há também, como contraponto, a ilusão romântica de que as crises foram feitas para ser superadas e, lá pela metade do filme, não faltará espectador que aposte que, depois de 95 minutos (tempo de duração do filme), tudo voltará aos eixos. A mão firme de Catherine Breillat não deixa isso acontecer. O cinema europeu, felizmente, tem outra estética.


P. S: Este texto, com ligeiras modificações, foi publicado originalmente no jornal A Notícia (Joinville, SC, 13/02/2000, p. C6).