Não tenho muita simpatia pelos vampiros. Entre
as muitas restrições que faço a esses personagens, sempre destaquei a
incapacidade de resolverem os colossais problemas sexuais que os acompanham. A
cor macilenta, dormir em caixões fúnebres, a transformação em morcegos, dentes caninos
protuberantes, ideais para morder a jugular das vítimas – todas essas características góticas
beiram o risível. Igualmente cômico é o arsenal apotropaico (ferramentas
capazes de afastar as almas do outro mundo) que é usado para combater os seres
das trevas. Eles se tornam vulneráveis diante de água benta, crucifixos,
rosários, alho, espelhos, ramos de roseira silvestre, pilriteiro, sementes de
mostarda. Por mais estranho que pareça, eles não conseguem pisar em chão sagrado – aumentando o ordenamento judaico-cristão que margeia o mito.
Criaturas noturnas, alguns deles não conseguem viver em ambientes onde a luz
natural é intensa. Para destruí-los, os inimigos podem escolher entre decapitação,
empalhamento, fincar estacas no coração, exorcismo ou salpicar água benta sobre
o corpo. Todos esses métodos beiram o caricato. Falta-me instrumental (psicológico,
intelectual, estético) para entender o charme do Conde Drácula. Essa percepção não
melhorou nas ocasiões em que o vi em filmes, interpretado por atores magníficos como Bela
Lugosi e Christopher Lee. Nosferatu me parece patético, pouco plausível, seja
na literatura, seja no cinema. Carmilla não convence como representante do
feminismo. Com o perdão do trocadilho ruim, falta sangue naqueles dândis
afetados que emergem dos livros da Anne Rice. Sobra brutalidade na turma da
série televisiva True Blood. Os personagens que povoam parte da saga
literária Crepúsculo são chatos e reacionários, porque defendem (dissimuladamente)
a eugenia e (abertamente), por hipocrisia religiosa, a abstinência sexual entre
os adolescentes. Pouco ou nada posso dizer sobre os personagens criados pelo
brasileiro André Vianco – de quem só li um texto ruim, publicado em uma
antologia organizada pelo Felipe Pena.
Foi com um pé atrás que iniciei a leitura do romance Os Antiquários, do argentino Pablo de Santis. Essa prevenção se dissipou rapidamente. A fluência da narrativa vai arrastando o leitor para o redemoinho narrativo. A história de Santiago Lebrón, um representante típico dos indivíduos que lutam pela ascensão social e econômica, vai se complicando de tal forma que, depois do primeiro capítulo, não há motivos para parar a leitura. Além disso, a transformação em vampiro somente acontece na página 89, no início da quarta parte.
Santiago, aos vinte anos, abandona a cidade natal, Los Alamos, e vai para Buenos Aires procurar por seu tio Emilio, que trabalha com o conserto de máquinas de escrever. Algum tempo depois, o tio consegue para ele um emprego em um jornal, onde o rapaz começa a escrever as colunas esotéricas. Ao contrário do que poderia sugerir esse acomodamento profissional, as confusões se multiplicam em uma espiral vertiginosa. Personagens impares como Comissário Farias, Crispino, Benjamin Balacco e Luciano Montiel aparecem em cena e introduzem novas complicações à trama. Nenhum deles apresenta a importância afetiva sugerida pelas presenças de Carlos Calisser, dono de um sebo, La Fortaleza, e Luisa Balacco, filha de Benjamin e noiva de Luciano.
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Christopher Lee, interpretando Drácula |
Apaixonado por Luisa e protegido por
Calisser, Santiago começa a se perder nos corredores de um labirinto formado
por sociedades secretas e as várias modalidades de colecionismo (estátuas, livros,
moedas, bonecas, filmes,...). Esse cenário está repleto de armadilhas
e perigos. Mas, como diz Santiago, (...) eu ainda era jovem. Não estava preparado para a cautela. Depois de
escapar de uma sessão de tortura policial (ou o equivalente), Santiago recebe
uma transfusão de sangue. Esse procedimento médico salva a sua vida e o condena
a uma nova complicação.
Para se afastar do horror, Santiago
precisa tomar doses regulares de um elixir especial. Esse líquido substitui a
volúpia (carmen) causada pela ingestão de sangue humano. Como a vida social não
está conectada com a simplicidade, novas experiências o aguardam. Santiago,
transformado em vampiro, mergulha na escuridão do desejo.
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Pablo De Santis |
A verdadeira beleza nunca nos faz
felizes, sempre nos lembra um esplendor perdido antes de nascer, percebe o
rapaz, depois de passar uma noite com Luisa. O amor, transfigurado em carne e
sangue, serve para condenar à morte todos os outros antiquários – inclusive
Calisser. Uma cilada, arquitetada por Benjamin Balacco, extermina a comunidade
dos vampiros.
Herdeiro de La Fortaleza, sem a
companhia de Luisa, que foi embora, Santiago se torna espectador de noites e
dias monótonos. Alguma mudança somente ocorrerá no momento em que o elixir
acabar. Então, nada mais lhe restará senão recuperar hábitos ancestrais.