– Nada do que um dia aconteceu pode ser
considerado perdido para a história.
– A luta de classes, que um historiador
educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e
materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais.
– O passado só se deixa fixar, como
imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido.
– Articular historicamente o passado não
significa reconhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma
reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.
– O dom de despertar do passado as
centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que
também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo
não tem cessado de vencer.
– Os que num momento dado dominam são os
herdeiros de todos os que venceram antes.
– Nunca houve um documento da cultura
que não fosse também um documento de barbárie. E, assim como a cultura não é
isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura.
Por isso, na medida do possível, o materialismo histórico se desvia dela.
Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.
– A tradição dos oprimidos nos ensina
que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral.
– Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão
escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter
esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia
de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente
ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para
acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e
prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa
tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas,
enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que
chamamos de progresso.
– A história é objeto de uma construção
cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”.
– Para quem escala fachadas, todos os
ornamentos são úteis.
– Viver em uma casa de vidro é uma
virtude revolucionária por excelência.
– O Deus de Dostoiévski não criou apenas
o céu e a terra e o homem e o animal, mas também a vingança, a mesquinharia, a
crueldade.
– O homem que lê, que pensa, que espera,
que se dedica à flânerie, pertence,
do mesmo modo que o fumador de ópio, o sonhador e o ébrio, à galeria dos
iluminados. E são iluminados mais profanos.
– Nem tudo nessa vida é modelar, mas
tudo é exemplar.
– Um acontecimento vivido é finito, ou
pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que um acontecimento
lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e
depois.
– Nem sempre proclamamos em voz alta o
que temos de mais importante a dizer.
– A quintessência da experiência não é
aprender a ouvir explicações prolixas que à primeira vista poderiam ser
resumidas em poucas palavras, e sim aprender que essas palavras fazem parte de
um jargão regulamentado por critérios de casta e de classe e não são acessíveis
a estranhos.
– A tagarelice incomensuravelmente
ruidosa e vazia que ecoa nos romances de Proust é o rugido com que a sociedade
se precipita no abismo dessa solidão.
– Proust, essa velha criança,
profundamente fatigado, deixou-se cair no seio da natureza não para sugar seu
leite, mas para sonhar, embalado com as batidas do seu coração.

– Cada guerra que se anuncia é ao mesmo
tempo uma insurreição de escravos.
– (...) tentam apropriar-se da
atualidade sem terem compreendido o passado.
– Estar sujeito à rotina significa
sacrificar suas idiossincrasias e abrir mão da capacidade de sentir nojo.
– Ele não está à esquerda de uma ou
outra corrente, mas simplesmente à esquerda do possível.
– Transformar a luta política de vontade
de decisão em objeto de prazer, de meio de produção em bem de consumo – é este
o artigo de maior sucesso vendido por essa literatura.
– Muitas vezes enfraquecemos nossas
próprias posições para combater nosso adversário e, para obter vantagens
imediatas, privamos nossa causa de suas dimensões mais amplas e mais válidas.
Exclusivamente voltada para a luta, nossa causa pode talvez vencer, mas não
pode substituir a que foi vencida.
– A diferença entre a técnica e a magia
é uma variável totalmente histórica.
– Em seus edifícios, quadro e narrativas
a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura.

– A proletarização do intelectual quase
nunca faz dele um proletário.
– Nosso mundo é apenas um mau humor de
Deus, um dos seus maus dias.
– Kafka é como o rapaz que saiu de casa
para aprender a ter medo.
– O que é a corrupção no mundo do
direito, a angústia é no mundo do pensamento.
– A arte de narrar está em vias de
extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente.
Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se
generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia
segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.
– A experiência que passa de pessoa a
pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas
escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais
contadas por inúmeros narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos,
que se interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna
plenamente tangível se temos presentes esses dois grupos. “Quem viaja tem muito
que contar”, diz o povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de
longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente a sua
vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições. Se
quisermos concretizar esses dois grupos através de seus representantes
arcaicos, podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e
outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida
produziram de certo modo suas respectivas famílias de narradores. Cada uma
delas conservou, no decorrer dos séculos, suas características próprias. (...)
A extensão real do reino narrativo, em todo o seu alcance histórico, só pode
ser compreendido se levarmos em conta a interpenetração desses dois tipos
arcaicos.

– O conselho tecido na substância viva
da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a
sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção.
– A informação só tem valor no momento
em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa entregar-se inteiramente a
ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a
narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo
ainda é capaz de se desenvolver.
– O tédio é o pássaro de sonho que choca
os ovos da experiência. O menor sussurro nas folhagens o assusta.
– Contar histórias sempre foi à arte de
contá-las de novo e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas.
Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história.
– Quem escuta uma história está na
companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia.
Walter Benjamin e Bertolt Brecht em Svendborg, Dinamarca, 1934
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