Dizem que a poesia está em crise.
Modestamente, discordo. Quem está com problemas é o leitor – que, em sua defesa, alega
haver algum tipo de desconexão entre a linguagem poética e a contemporaneidade.
Há quem sustente a tese de que a poesia se transformou em uma espécie de monólogo
sem sentido ou direção. Esse pensamento, no mínimo, discutível, não explica o
afastamento. Aliás, não esclarece nada. Tanto que os livros de poesia continuam
sendo impressos. Centenas. Milhares. Para todos os paladares. Sonetos, haicais, poesia
concreta, odes, dramas épicos. Uns de significativa qualidade; outros, nem
tanto. Basta escolher. E comprar. Embora pareça que existem questões mais
importantes, sempre é bom lembrar que ninguém (nem mesmo os poetas!) vive de
brisa ou de afeto. Alguns trocados (e graúdos) são necessários para garantir o
pão de cada dia – em alguns casos, a cerveja de cada noite. Há quem chame isso
de sobrevivência. Ou algo parecido. Por isso, quando não conseguimos encontrar o
que deveríamos encontrar nas livrarias, cabe procurar em alguns sítios da
internet. A modernidade (e suas facilidades) não pode ser ignorada. Tudo (ou
quase tudo) está ao alcance de todos.
Depois de ler alguns dos poemas que
integram Manga-Espada nas redes sociais, comprei um exemplar do livro. Entrei
em contato com a escritora – que gosta de ser chamada de Sinhá. Fui informado do
valor do exemplar. Depositei o dinheiro. Não demorou muito até o livro chegar às
minhas mãos. Talvez uma semana. Ou um pouco mais. Não lembro. Não é importante.
Ele está aqui, ao meu lado. Como bônus, ganhei autógrafo.
Na maioria dos casos, são poemas
concisos. Poucos versos. A síntese como projeto literário. Impacto visual.
Encontro entre palavra e imagem. Magia ancestral. A sensibilidade do leitor
atingida pela surpresa. Ou pela revelação.O assombro refletido no entrelaçamento
entre a linguagem e a emoção. Semeadura e comunhão. O passado e o presente
projetando o futuro. Ou a ficção.
nos olhos de minha avó
uma dor que me espera.
Ser mulher está além das definições escolares, dos conceitos enciclopédicos, das frases redutoras ou dos preconceitos machistas. O tema surge em cada uma das páginas poéticas. Compromisso e respeito com a questão de gênero. Setas que viajam pelas palavras, carregadas de leveza, serenidade, suavidade. Também levam junto – nessa correnteza descontrolada – humor, canções, lirismo, autenticidade, sinceridade, empatia. O coração batendo fora do corpo, porto sem cais, além do desejo, quase um beijo. Sem se ater à racionalidade linear.
abrem-se pernas
como cortinas
de veludo e pelo.
têm todo descontrole
na pele
todos os declives
no peito.
Quintais, frutas e frutos, temperos – a
natureza como elemento primordial. Basta abrir o livro e sentir o cheiro de
terra, depois de chuva de verão. O mundo como espetáculo. Como graça divina. Ou
melhor, como fabulação humana. Civilidade. Conjunção de sabores e saberes.
o formigueiro
reverenciou
mais um
em seu terreiro.
Viver é traduzir desassossegos. Propor
rimas desajeitadas para poemas que nunca serão escritos. Caminhar pelas cidades
e pelas lembranças. No meio da tarde? Ou nas manhãs ensolaradas? Procurar
definições no que não pode ser definido. Escolher o caminho mais longo para
voltar para casa.
A palavra nunca foi capaz de fornecer significado à aflição.
No máximo, é um arranjo temporário, incerto, sem compromissos com o amanhã.
pelas marcas de lençol na pele
vejo a geografia da noite.
A poesia margeada pelo erotismo. O tesão
andando de mãos dadas com a ilusão. Par perfeito. Impar e imperfeito. Do mesmo
jeito que algumas falhas. Faltas. Falas que parecem se referir a algo que não
está expresso no texto. Embora esteja lá, bem visível. Basta abrir os olhos. E
ver.
minha língua
à margem
de sua boca
é linguagem.
Manga-Espada celebra a delicadeza. O
cuidado ao traduzir a sensibilidade poética em versos e poemas. O poder de
sedução. Bom gosto e elegância.
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