Páginas

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

MANGA-ESPADA

Dizem que a poesia está em crise. Modestamente, discordo. Quem está com problemas é o leitor – que, em sua defesa, alega haver algum tipo de desconexão entre a linguagem poética e a contemporaneidade. Há quem sustente a tese de que a poesia se transformou em uma espécie de monólogo sem sentido ou direção. Esse pensamento, no mínimo, discutível, não explica o afastamento. Aliás, não esclarece nada. Tanto que os livros de poesia continuam sendo impressos. Centenas. Milhares. Para todos os paladares. Sonetos, haicais, poesia concreta, odes, dramas épicos. Uns de significativa qualidade; outros, nem tanto. Basta escolher. E comprar. Embora pareça que existem questões mais importantes, sempre é bom lembrar que ninguém (nem mesmo os poetas!) vive de brisa ou de afeto. Alguns trocados (e graúdos) são necessários para garantir o pão de cada dia – em alguns casos, a cerveja de cada noite. Há quem chame isso de sobrevivência. Ou algo parecido. Por isso, quando não conseguimos encontrar o que deveríamos encontrar nas livrarias, cabe procurar em alguns sítios da internet. A modernidade (e suas facilidades) não pode ser ignorada. Tudo (ou quase tudo) está ao alcance de todos.

Depois de ler alguns dos poemas que integram Manga-Espada nas redes sociais, comprei um exemplar do livro. Entrei em contato com a escritora – que gosta de ser chamada de Sinhá. Fui informado do valor do exemplar. Depositei o dinheiro. Não demorou muito até o livro chegar às minhas mãos. Talvez uma semana. Ou um pouco mais. Não lembro. Não é importante. Ele está aqui, ao meu lado. Como bônus, ganhei autógrafo.

Na maioria dos casos, são poemas concisos. Poucos versos. A síntese como projeto literário. Impacto visual. Encontro entre palavra e imagem. Magia ancestral. A sensibilidade do leitor atingida pela surpresa. Ou pela revelação.O assombro refletido no entrelaçamento entre a linguagem e a emoção. Semeadura e comunhão. O passado e o presente projetando o futuro. Ou a ficção.

nos olhos de minha avó
uma dor que me espera.


Ser mulher está além das definições escolares, dos conceitos enciclopédicos, das frases redutoras ou dos preconceitos machistas. O tema surge em cada uma das páginas poéticas. Compromisso e respeito com a questão de gênero. Setas que viajam pelas palavras, carregadas de leveza, serenidade, suavidade. Também levam junto – nessa correnteza descontrolada – humor, canções, lirismo, autenticidade, sinceridade, empatia. O coração batendo fora do corpo, porto sem cais, além do desejo, quase um beijo. Sem se ater à racionalidade linear.

abrem-se pernas
como cortinas
de veludo e pelo.
têm todo descontrole
na pele
todos os declives
no peito.


Quintais, frutas e frutos, temperos – a natureza como elemento primordial. Basta abrir o livro e sentir o cheiro de terra, depois de chuva de verão. O mundo como espetáculo. Como graça divina. Ou melhor, como fabulação humana. Civilidade. Conjunção de sabores e saberes.

o formigueiro
reverenciou

mais um
em seu terreiro.


Viver é traduzir desassossegos. Propor rimas desajeitadas para poemas que nunca serão escritos. Caminhar pelas cidades e pelas lembranças. No meio da tarde? Ou nas manhãs ensolaradas? Procurar definições no que não pode ser definido. Escolher o caminho mais longo para voltar para casa. 

A palavra nunca foi capaz de fornecer significado à aflição. No máximo, é um arranjo temporário, incerto, sem compromissos com o amanhã.

pelas marcas de lençol na pele

vejo a geografia da noite.


A poesia margeada pelo erotismo. O tesão andando de mãos dadas com a ilusão. Par perfeito. Impar e imperfeito. Do mesmo jeito que algumas falhas. Faltas. Falas que parecem se referir a algo que não está expresso no texto. Embora esteja lá, bem visível. Basta abrir os olhos. E ver.

minha língua
à margem
de sua boca
é linguagem.


Manga-Espada celebra a delicadeza. O cuidado ao traduzir a sensibilidade poética em versos e poemas. O poder de sedução. Bom gosto e elegância.



Nenhum comentário:

Postar um comentário