Joaquim Maria Machado de Assis, considerado
pela (ou por parte da) crítica como o mais importante escritor brasileiro de
todos os tempos, ainda está vivo! A explicação para esse fato sobrenatural (ou
ficcional) está na constante republicação de seus romances e contos. Além
disso, não passa um só dia sem que alguém acrescente alguma novidade em sua
(dele) fortuna crítica. Ninguém está interessado em deixar que os vermes corroam
o cadáver do escritor!
Atualmente, quem quiser interpretar
corretamente o pensamento machadiano precisa ler as contribuições teóricas de
Roberto Schwarz, Lucia Miguel Pereira, Raymundo Faoro, José Guilherme Merchior,
Alfredo Bosi, Astrogildo Pereira, Augusto Meyer, etc. E não é somente em terras
tupiniquins que a fama de Machado de Assis se projeta como um cometa
incandescente. Depois dos estudos pioneiros de Hellen Caldwell e Jean-Michel
Massa, que ressaltaram a importância do Bruxo do Cosme Velho como interprete social e político, foram publicados diversos textos elogiosos de V. S.
Pritchett, Susan Sontag, Carlos Fuentes, Alberto Manguel, entre outros. Por
último, o inglês John Gledson revitalizou diversas teses sobre o escritor,
inclusive propondo temas que, por esse ou aquele motivo, ninguém tivera antes a
coragem de abordar.
A recente publicação de uma caixa (três
volumes em capa dura) com todos os nove romances de Machado, além de onze “contos
consagrados”, pode ser considerada como um belo presente de aniversário para
aquele que, se estivesse entre nós, completaria cento e setenta e sete anos no
dia 26 de junho de 2016. Embora a edição não credite o nome do autor da ideia,
há um pequeno texto de M. Cavalcanti Proença no final do terceiro volume. Será
isso suficiente? Obviamente, não! Um bom ensaio introdutório às obras do autor
concluiria o projeto com aplausos e alegria. Para quem admira as obras de
Machado, nada é excessivo ou aborrecido. Ele é um daqueles casos de quanto
mais, melhor.
A leitura dos quatro primeiros romances,
característicos da fase “romântica”, permite antever o salto de qualidade que
foi efetuado na fase “realista”. Ou seja, Ressurreição (1872), A Mão e a
Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) constituem a preparação para
a beleza estética e literária apresentada em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891). Por sua vez, o pleno domínio técnico e
artístico atinge a maturidade com Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). São os três últimos romances que, misturando humor e
melancolia, fornecem as derradeiras mãos-de-tinta ao estilo que consagrou
Machado de Assis. Mas, convém esclarecer
que isso é apenas uma espécie de síntese da tese que Roberto Schwarz elaborou
com profundidade nos sensacionais Ao Vencedor as Batatas (1977) e Um Mestre
na Periferia do Capitalismo (1990), livros básicos para quem quer ingressar no
universo machadiano.
Machado de Assis foi um escritor
múltiplo. Além de excelente romancista (na fase realista), escreveu contos,
poesias, crônicas e teatro. Os contos mais importantes foram reunidos pelo John
Gledson, numa edição de 1998 (caixa, dois volumes) e, posteriormente, numa edição econômica. Obviamente, há outras
coletâneas. Dúzias. Para todos os (des)gostos. Umas melhores, outras nem tanto.
Basta escolher. As crônicas foram reunidas em diversos volumes separados, de
acordo com os veículos jornalísticos em que foram publicadas. Livros como Balas de Estalo (1998), Histórias de Quinze Dias, Histórias de Trinta Dias pretendem mapear esse território - que é vasto, vastíssimo. Em
compensação, o teatro e a poesia, salvo engano, continuam negligenciados. A
verdade é que Machado não era exatamente um grande poeta – e nem um bom
dramaturgo. Claro, há quem não concorde com essa afirmação. Machado de Assis
tem leitores de todos os matizes.
A consagração de um autor se torna
definitiva quando um escritor se transforma em personagem ou quando os seus
(dele) personagens migram para outros autores. Há vários romances em que Machado
de Assis sofre essa transformação. Cito dois, mas há mais. Memorial do Fim,
de Haroldo Maranhão, sobre os seus (dele) últimos dias, e Por Onde Andará
Machado de Assis?, de Ayrton Marcondes, que é uma espécie de releitura de Esaú
e Jacó. Em compensação, em relação aos personagens machadianos, Capitu (Maria
Capitolina Santiago) ganhou uma notoriedade que ultrapassa todas as fronteiras.
Há várias adaptações para cinema e televisão, além de vários livros sobre ela: Capitu, de Paulo Emilio Sales Gomes e Lygia Fagundes Telles (roteiro de
cinema), Capitu – Memórias Póstumas, de Domício Proença Filho (romance), Capitu Sou Eu, de Dalton Trevisan (contos), e vários outros. Para os demais
personagens, há centenas de reinterpretações. Os curiosos podem procurar por Missa do Galo – variações sobre o mesmo tema (Org. Osman Lins), Capitu
Mandou Flores (Org. Rinaldo de Fernandes) e Recontando Machado (Org. Luiz
Antonio Aguiar).
Para quem gosta de bisbilhotar a vida alheia, há pelo menos duas
biografias de Machado de Assis no mercado. A mais antiga, e melhor, embora
contenha algumas lacunas, foi escrita em 1981, por Raimundo Magalhaes Júnior
(quatro volumes). Daniel Piza também tentou desvendar a vida de Machado. A
crítica especializada não gostou muito. Além disso, a primeira edição tem
alguns erros de informação. Coisa pouca, mas que não ajudou um livro que nasceu
problemático.
Em síntese, Machado de Assis continua
vivo. E assustando cada vez mais. Ninguém fica impune depois de ler algum de
seus livros. Não consigo encontrar um elogio maior para um escritor.
Sempre admirei e li Machado de Assis e achei seu texto interessante, muitas informações e linda homenagem a ele .
ResponderExcluirObrigado, NeusaMarilda!
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