Manchester à Beira-Mar (Manchester by
the Sea. Dir. Kenneth Lonergan, 2016) conta uma história trágica – em diversos
níveis. No entanto, foge da classificação de melodrama clássico, desses que se
concentram em uma serie de desastres e que procuram mostrar o que há de mais
desagradável nos indivíduos.
Gravitando em
torno de dois temas cruciais, a culpa e a paternidade, Manchester à Beira-Mar revela a impossibilidade de fazer uma boa escolha quando o que está em jogo oscila entre a herança (social) e a dívida (emocional). Qualquer alternativa gera o conflito e as suas consequências – que nunca são amenas.
A melhor qualidade do filme está na maneira humana com que a dor é abordada. O trauma se apresenta de forma lenta, sem explosões catárticas – o único sinal emocional identificável no rosto do protagonista, Lee Chandler (Casey Affleck) é a tristeza – e que é ampliada pela situação climática. O inverno rigoroso serve de metáfora para o isolamento, a falta de afeto, a impossibilidade da reconstrução emocional, a vulnerabilidade (mas também a força) dos personagens.
Lee mora em Boston, trabalha com zelador
de um condomínio e é impiedoso consigo mesmo – em alguns momentos,
autodestrutivo. Ligado afetivamente com o irmão e o sobrinho, visita os dois
com alguma frequência. Joseph “Joe” Chandler (Kyle Chandler) possui um barco de
pesca e mora com o filho adolescente, Patrick (Lucas Hedges), em Manchester, litoral
de Massachusetts.
Lee, ao receber a notícia da morte do
irmão (que sofria de uma doença cardíaca incurável), volta para Manchester. Cabe-lhe providenciar
o enterro e, durante algum tempo, cuidar do sobrinho. Alguns dias depois, na
leitura do testamento, ele descobre que Joe lhe deixou a responsabilidade
de cuidar de Patrick – até que o rapaz complete 21 anos. Infelizmente, essa não é
uma boa notícia. Por diversos motivos. A principal: Lee não têm condições psicológicas para
assumir a responsabilidade. A culpa, em função de uma desgraça ocorrida algum
tempo antes, o impede.
Além disso, Lee não tem a mínima vontade
de se tornar uma espécie de pai temporário do sobrinho. No máximo, aceita ser um
amigo. E é assim que ele trata Patrick: levando-o para lá e para cá, deixando-o
ter relações sexuais com as duas namoradas, equipando o barco com um novo motor,
aceitando que o rapaz não vá para a faculdade. São decisões relacionadas com a
ausência de compromisso. Simultaneamente, revelam o uso de um mecanismo
inconsciente de afastamento da perfilhação.
Diante da realidade concreta, Lee
prefere se mostrar insensível a qualquer emoção. Ele não quer superar o luto, prefere
continuar dialogando com os mortos. E se utiliza da violência para abraçar a
melancolia. Quando vai beber em bares costuma se envolver em brigas físicas –
muitas sem motivo aparente. Nesses momentos, o desejo de autopunição supera a
ataraxia (apatia, indiferença). Quando a ex-esposa (que está casada com outro)
o procura para conversar sobre o trauma que atingiu os dois e, simultaneamente,
pedir desculpas pelo que disse no passado, o desconforto se
manifesta de forma inequívoca. Lee não quer deixar o passado morrer – quer
continuar vivendo sozinho, quer continuar macerando a punição por seu pecado.
Do ponto de vista da carpintaria
fílmica, a narrativa de Manchester à Beira-Mar têm como base o tempo presente –
auxiliado por várias intervenções de um passado que não cessa de voltar à tona. A memória
estilhaçada e desordenada (potencializada pelo uso do flash-back) permite contrastar o
antes e o agora. Desta maneira, a fórmula narrativa descontínua (que também é
lúdica) auxilia o espectador na visualização do drama – e de toda a sua
extensão.
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