Depois
da traição matrimonial, nada mais pode ser encarado com seriedade. Os momentos
ridículos se sucedem aos milhares. Não importa se há ocorrência de algum tipo
de reação (intempestiva ou não), não importa o olhar escandalizado dos
familiares, não importa se os amigos e os vizinhos fingem nada saber. Tudo se
transforma em comédia. Tudo.
Em
uma pequena novela, e que foi publicada postumamente, em 1925, Alves &
Cia, Eça de Queiroz (1845-1900), conta a história de Godofredo da Conceição Alves, um
indivíduo que se sentia pertencendo a essa tribo grotesca de maridos traídos,
que não podiam entrar em casa sem que, de dentro, escapasse um amante. Razões para tal pensar não lhe faltavam, pois coube-lhe o azar de flagrar a caríssima
consorte aos beijos com outro. E o que há de mais mirabolante nesse desagradável episódio é que o comborço, Machado, era seu (dele) sócio.
Com
ares de humilhado e ofendido, aos gritos exigiu que a esposa retornasse à casa
de seu (dela) pai. Não havia mais motivos para viverem juntos. O casamento
estava acabado.
José Maria de Eça de Queiroz (1845 - 1900) |
Godofredo,
como cabe a todo marido traído, ficou sem chão. A solidão era a recompensa que
recebia depois de vários anos adorando aquela mulher pérfida! Simultaneamente, entrou
em depressão, pensou em suicídio, a vida tinha perdido o sentido, era um homem
derrotado. Mas, seja porque o caso não era para tanto, seja porque foi tomado
por falta de coragem, desistiu desse plano estapafúrdio. E, como se o desgosto não
fosse o suficiente, recebeu a visita de Neto, o pai da traidora. Diante do sogro
discursou, fez exposição de motivos, quase exigiu solidariedade. O velho,
conhecedor desses rompantes pouco inteligentes, ouviu a peroração durante algum tempo. Em dado momento, tomou a palavra e rebateu os argumentos do genro com inúmeras considerações sobre a aventura humana. Tergiversando,
mostrou que a situação não era propícia para rompantes. Por fim, fez o Godofredo perceber que a sua filha, em razão dos acontecimentos, ficara desamparada e que a sociedade logo saberia dos detalhes, um escândalo sem proporções. Talvez por cansaço, talvez porque viu nas palavras do sogro uma ameaça, Godofredo aceitou pagar uma mesada à esposa, a título de
compensação pelo rompimento matrimonial.
Nos
dias seguintes, a agonia de Godofredo se intensificou. Depois de muito pensar, resolveu que a
situação assaz vexaminosa exigia uma atitude enérgica. Disposto a lavar a honra
com sangue, imaginou um duelo. Para que isso se concretizasse, enviou um bilhete ao Machado
exigindo um encontro para resolver a pendência. Frente a frente, os dois homens
tiveram dificuldades para conversar. No início. Logo esse embaraço foi
superado. As condições propostas pelo marido ofendido para dar um término à
questão foram rechaçadas. Godofredo ficou falando sozinho.
A
multiplicidade de erros não terminou com esse fracasso. Godofredo foi pedir
conselhos ao Medeiros e ao Carvalho, velhos confrades de pândega e negociatas. Evidentemente,
eles se solidarizaram. Era uma lástima. No entanto, consideraram que um duelo
de morte configurava um evidente exagero. Não lhes cabia servir de testemunhas
em uma maluquice de tal porte. A diplomacia poderia evitar os excessos,
sugeriram ao desconsolado companheiro. E, com tal argumento, se autonomearam
embaixadores. Resultado: foram ter algum tipo de entendimento com os representantes da causa de Machado.
Diversas reuniões ocorreram, onde se discutiu as versões do caso, o teor das
cartas que os amantes trocaram entre si e um sem fim de detalhes. Era
necessário esclarecer os acontecimentos.
Enquanto
isso, Godofredo sofria as dores do isolamento. Ao colocar a solução do caso nas
mãos dos amigos, perdeu as rédeas da situação. Nesse momento, resta ao leitor observar
com mais atenção o protagonista do dramalhão e concluir que a tolice é a sua
(dele) característica mais marcante. Quando os representantes plenipotenciários
da demanda lhe informaram que as partes, durante as conversações, haviam
concluído que o caso todo estava longe de ser uma traição no sentido mais vil
do ato e que fora apenas um “namorico”, Godofredo não se indignou contra tal
resolução. Fez as reclamações de praxe, mas, no intimo, já estava convencido de
que a fúria fora debelada. Estava manso como um cordeiro. Precisava, apenas, de
um incentivo para deixar de lado o desfecho trágico. Aceitou, resignadamente, as
recomendações de fazer uma viagem durante alguns meses, deixando que o tempo
depurasse as tempestades e trouxesse de volta os dias de sol.
O narrador dessas peripécias poderia encerrar o caso com esse apaziguamento. Afinal, todos se salvaram. Quer
dizer, nem todos. Godofredo ao voltar, viu a esposa algumas vezes na rua. Houve
constrangimento, mas também houve o despertar da velha chama, brasa dormida,
fagulha que estava escondida entre as cinzas daquele incêndio nefasto. Não lhe foi possível
resistir. Tolice por tolice, concluiu que um leito aquecido é o melhor remédio
para as noites frias. Reatou. Colocou ordem na sua vida desregulada.
Como
se não bastasse, também fez as pazes com Machado. Deixou a cólera no passado –
embora, vez ou outra, tivesse algum ataque de ciúme ou lembrasse da ignomínia.
Por fim, voltou a receber o rapaz em sua (dele) casa, como se fosse um
integrante da família.
Na
cena final, muitos anos depois, os amigos confraternizam:
Bate
então no ombro do seu amigo, lembra-lhe o passado, diz-lhe:
–
E nós que estivemos para nos bater, Machado! A gente em novo sempre é muito
imprudente... E por causa de uma tolice, amigo Machado!
E
o outro bate-lhe no ombro também, responde sorrindo:
–
Por causa duma grande tolice, Alves amigo.
Alves
& Cia, mais do que uma farsa burguesa, revela, com doses homéricas de
ironia e cinismo, o quão tola pode ser a vida de quem se deixa levar pelas aparências e
pelo ordenamento social.
Concluída
a leitura do livro, cabe esclarecer que a delegação presidida por Medeiros e Carvalho não era gratuita. Eles não mediram
esforços para impedir o duelo porque estavam legislando em causa própria: para
qualquer um dos dois seria uma amolação ter que se bater em armas contra algum
marido enlouquecido. Que Godofredo tivesse sido premiado na loteria dos
traídos, vá lá, mas dar (mau) exemplo aos outros não era conveniente a ninguém.
Como disse Carvalho, a determinada altura da narrativa: Homem, isto melhor é a
gente divertir-se por sua conta, que os outros se divirtam à nossa custa...
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