A vida de quem optou por ser “meio
intelectual, meio de esquerda”, como definiu o Antônio Prata, nunca foi fácil.
Houve um tempo em que os fascistas adoravam me mandar para Cuba. Adoravam.
Sempre agradeci a honra. Parece ser um bom destino turístico, a oportunidade ideal
para conhecer – ao vivo e em cores – aqueles cenários descritos com intensidade
nos romances de Guillermo Cabrera Infante, José Lezama Lima e Leonardo Padura
Fuentes.
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Habana Vieja |
Fascinado com a ideia, ciente de minhas
limitações econômicas, solicitei – humildemente – que vários desses próceres da
democracia brasileira contribuíssem com “algum” para pagar as passagens, a
hospedagem e os mojitos e daiquiris que pretendia beber no El Floridita e no La Bodeguita del Medio. Será que estava pedindo muito? Houve quem discordasse do meu pedido,
dizendo (ou melhor, gritando) que, se o meu objetivo era visitar a Disneylândia
dos comunistas, que viajasse por conta própria, pagando cada centavo de meu
desatino. Triste, pavorosamente triste. Em lugar de se livrarem de mim por dois
ou três meses, sim, eu sei que é pouco tempo, mas temos que trabalhar com o
possível quando o ideal está distante, essa gente que cultiva o ódio em seus
corações de pedrinha brilhante e sem valor respondeu ao apelo singelo e sincero com adjetivos criativos:
“esquerdinha caviar”, “pequeno burguês”, “traidor da miséria” e outros alegres
confeitos, alguns, inclusive, fazendo menção às alegrias que porventura incendiaram a vida
pregressa da senhora minha mãe.
Então, temporariamente, resolvi adiar a
visita a El Molecón, Varadero e Pinar del Rio. Queria me perder nos labirintos
de Habana Vieja e me encontrar na Plaza de La Revolución. Tudo isso ao som das
músicas de Silvio Rodríguez, Bola de Nieve ou do Habana Social Club. Também ambicionava contrastar
o sul do oceano Atlântico com as águas do Caribe. Deixarei de contar (escrever)
algumas histórias e não comprarei os livros que me obrigarão a pagar excesso de
bagagem nos aeroportos. São muitas perdas – difíceis de contabilizar – nesse
catálogo de prejuízos emocionais.
Quando estava quase acreditando que a
bondade humana não passa de uma utopia rota e desgastada pelo egoísmo, recebi uma
mensagem dizendo: “agora melhorou para você”. Anexo, um arquivo em que um
desses malucos de plantão mandava os desafetos para... Paris!
Allons enfants de la Patrie / Le jour de gloire est arrivé!, declamei em alto e bom som!
Allons enfants de la Patrie / Le jour de gloire est arrivé!, declamei em alto e bom som!
A troca de farpas entre dois políticos
renovou minhas esperanças de viajar. Imediatamente se abriram as portas para
criar alguma campanha de crowdfunding. Seria bárbaro (no bom sentido) passear
pelas ruas da “cidade luz”. Imaginei longas caminhadas por Saint German des
Pres. Sonhei com visitas ao Musée D’Orsay e ao Père-Lachaise – de onde postaria fotos dos túmulos de Balzac, Proust, Oscar Wilde e Jim Morrison. Comprar livros
na Shakespeare and Company poderá ser evento trivial. Imprescindível assistir
algum show no Folies Bergere – simulando aquelas cenas que Henri de Toulouse-Lautrec
imprimiu no imaginário contemporâneo. Igualmente indispensável será frequentar
o Les Deux Magots, onde poderei beber inúmeras taças de Bordeaux. Doses de cognac, armagnac e pernod também estão nos planos, possivelmente em algum bistrô
simpático localizado nas margens do Sena.
Como vantagem adicional, a França fica (mais
ou menos) perto de cidades que eu gostaria de conhecer, como Dubrovnik (Croácia),
Toledo (Espanha) e Copenhagen (Dinamarca). Na Gare du Nord as distâncias desaparecem e os trens alimentam os sonhos.
Evidentemente, tudo isso é parte de um
projeto elaborado por um sujeito deslumbrado, desses que conhecem a Europa apenas
em gravuras e mapas (quer dizer... mas isso é assunto para outra hora). Quem
pode condenar essa joie de vivre?
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Musée D’Orsay |
Dando prosseguimento ao plano, começo a
pensar em distribuir panfletos virtuais pela Internet afora, na vã expectativa
de que algumas almas sejam sensíveis com esse desejo suburbano e contribuam financeiramente
para impulsionar o meu temporário exílio em território d’além mar.
Um empecilho é o domínio do idioma. Je
ne parle pas français. Aquelas aulas que não frequentei na Alliance Française,
quando morei em Florianópolis, farão falta. Outra dificuldade será a moradia.
Aos exilados cabe se perder em algum “arrondissement” lá nos cafundós, bem
perto de onde Judas perdeu as botas. Como o destino é insondável, talvez seja nesses lugares que o amor vai me encontrar e encantar. Talvez.
Enfim, tudo isso são bobagens menores.
Principalmente porque, em todo esse passeio (real ou imaginário), estou cantando – da
forma mais desafinada possível – alguns versos de uma canção interpretada por
Zaz (nascida Isabelle Geoffroy):
Je veux d’l’amour, d’la joie, de la
bonne humeur
C’est pas
votre argent qui f’ra mon bonheur
Moi j’veux
crever la main sur le cœur
(Eu quero amor, alegria, bom humor
Não é o seu dinheiro que me fará feliz
Quero morrer com a mão no coração).