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domingo, 18 de agosto de 2019

QUANDO MEUS AVÓS PRESENTEAVAM OS NETOS

Meus avós, Silvano e Henriqueta, costumavam presentear os inúmeros netos no natal e nos aniversários.

(Pausa para um esclarecimento necessário. Nunca tivemos [meus irmãos e eu] a mínima intimidade com os avós naturais. Do lado de minha mãe, faleceram antes que tivéssemos oportunidade de conhecê-los. Do lado de meu pai,... Ah, eles não eram pessoas acessíveis. Simplificando, minha mãe era “filha de criação” do casal citado acima – que adotaram, em momentos diferentes, várias crianças).

Nunca ganhamos dinheiro, brinquedos ou roupas. Isso não fazia parte do ritual. Os presentes eram outros. Meus avós costumavam oferecer ao homenageado latas de pêssegos em calda ou sabonetes. Nunca mudava. Ou era uma coisa ou outra. Minha mãe orientava os filhos para agradecer e sair rapidamente de cena. Reclamações nunca foram permitidas.

Muitas vezes tentei entender o significado desses presentes. Meu avô era conhecido por ser “pão-duro”. Seria essa a explicação ideal? Estou inclinado a pensar que não. A chave de interpretação pode ser outra. Como eles viveram grande parte da vida no interior (em uma pequena propriedade, lá nos Morrinhos, coração da Coxilha Rica, distante 40 quilômetros do centro da cidade), sabonetes e pêssegos em calda eram raridades naquele lugar. Imagino que – por um processo psíquico elementar – quisessem oferecer aos netos as preciosidades que poucas vezes lhes foi possível consumir.

Descontando o comentário banal sobre o que motivava o ato de presentear os netos, cabe dizer que as recordações daqueles dias longínquos voltaram à tona duas vezes recentemente em uma espécie particular de parodia. 

Na primeira, um exemplo trivial de quem  sem acesso a “madeleines”  recorda o passado com o que estiver ao alcance do nariz. Em uma dessas lojas de departamento, que vendem de tudo e mais um pouco, ao me aproximar do caixa, senti um aroma gostoso. Não consegui controlar a compulsão e acrescentei duas caixas de sabonetes perfumados (limão siciliano) às compras. Quis – tantos anos depois – substituir o Lux de Luxe (aquele que era usado por nove entre dez estrelas de cinema), o Palmolive ou o Cashmere Bouquet da infância? Não sei. É possível.  

O segundo episódio foi intermediado pela empregada de minha mãe. Ao telefone, falou: “Dona Vina pediu para lhe avisar que está com vontade de comer a sobremesa do Vô Silvano”. Preso pela história comum que tantas vezes quisemos reprimir, fui ao supermercado comprar pêssegos em calda e creme de leite – que foram devorados como se fosse a mais saborosa das iguarias.

Por mais terrível que possa parecer, o tempo costuma nos separar daqueles que amamos. Sobram algumas lembranças fragmentadas  que ficam hibernando em alguma parte da memória. Às vezes,  elas reaparecem e nos nocauteiam. 

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