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sexta-feira, 26 de abril de 2024

ÁGUA TURVA

 


O romance Água Turva, de Morgana Kretzmann, se concentra na luta pela conservação do Parque Estadual do Turvo (região noroeste do Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina).

Chaya Sarampião é guarda florestal. Sua prima, Preta, lidera um grupo de caçadores e contrabandistas, os Pies Rubros. Olga Befreien é jornalista. Essas três mulheres se unem – mas por motivos diferentes – para mudar a história da região.

O desaparecimento na mata do patriarca Sarampião, na década de 50, permite que a população de Dourado (local em que se desenvolve parte da trama) passe a venerá-lo como se fosse um santo protetor da região. Alguns episódios justificam essa crença (aparecimentos e desaparecimento em situações estranhas, curas de difícil explicação). Uma estátua na praça principal da cidade não deixa que a sua memória seja esquecida.   

Muitos anos depois, alguns acontecimentos são recuperados e fornecem luz para os acontecimentos do presente narrativo. O narrador (terceira pessoa, onisciente) intercala com habilidade os avanços e recuos temporais através de capítulos curtos, espelhando várias mudanças na composição narrativa e na postura psicológica dos personagens. Aqueles que pareciam ser progressista se mostram reacionários, quem estava à serviço de negócios escusos passa a denunciar a corrupção.                  

A venda de carne de caça e o descaminho (desvio de mercadoria para não pagar imposto) de vinhos argentinos são crimes frequentes na área do Parque. Cabe aos guardas florestais tentar impedir. Nem sempre é possível. As trocas de tiros são frequentes e muitas vezes terminam com feridos e mortos. Esses combates alimentam os ressentimentos – que, mais tarde, cobrarão o seu quinhão de sangue.

Nesse cenário – que mistura violência, alianças políticas e interesses econômicos – se acrescenta um componente ainda mais explosivo: o início das consultas populares para a construção de uma hidrelétrica na área em que está situado o Parque. Chaya se mostra contrária ao empreendimento. Olga, que assessora o deputado Afrânio Heichma, filiado ao Partido Nacional Ambiental (PNA), é enviada ao local para tentar cooptar os moradores. Não é uma boa escolha. O passado não lhe é favorável.

Desde as páginas iniciais a tensão é constante, todos os personagens parecem estar em guerra (ou se preparando para dias de dor e perdas). E isso se deve aos vários temas que o livro aborda (a fraternidade, os amores proibidos, a defesa do meio ambiente, vingança e os jogos de poder).

Quando as três mulheres estabelecem uma trégua nas múltiplas diferenças que existe entre elas, e voltam as suas forças contra um inimigo comum (aqueles que querem destruir o Parque), o livro se encaminha para um final feliz. Não é isso que acontece. Quer dizer, parte dos problemas são reduzidos – mas isso significa apenas que as ameaças foram adiadas. Em algum momento, talvez sob nova roupagem, elas voltarão à pauta. A ganância não descansa.

Nas entrelinhas existem diversas alusões sobre a política nacional – principalmente a ausência de projetos de conservação ecológica e a proliferação de grupos reacionários, que usam o Estado para enriquecimento ilícito e o favorecimento de negócios contrários ao bem-estar público.

A construções das cenas, os diálogos e a fluidez narrativa de Água Turva antecipam uma possível adaptação para o cinema.             


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