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quinta-feira, 13 de março de 2025

A LENDA DO SANTO BEBERRÃO

 


O austríaco Moses Joseph Roth (1894-1939) escreveu uma das mais divertidas novelas da literatura mundial: A Lenda do Santo Beberrão (Estação Liberdade, 2013. Tradução de Mário Frungillo).

Andreas, algum tempo depois que saiu da prisão, vive nas ruas, muitas vezes bêbado. Certo dia foi abordado por um desconhecido que lhe oferece 200 francos. Tudo o que ele precisa fazer é devolver o dinheiro ao padre que tiver acabado de rezar a missa de domingo, na Igreja de Sainte Marie des Batignoles. Essa tarefa se mostra mais difícil do que era de se supor em um primeiro instante. Porque Andreas começa a gastar o dinheiro: comida, bebida, dormir em um hotel. Pequenos prazeres que pareciam perdidos.

A sorte lhe aparece outra vez quando lhe oferecem trabalho, outros 200 francos. Um amigo de infância lhe dá um terno novo. Tudo parece acenar para um desfecho satisfatório. No entanto, na medida em que as coisas parecem melhorar, o dinheiro também desaparece. São bebedeiras enormes, encontros sexuais, restaurantes, hotéis. Nos finais de semana, ele perde o início das missas. Enquanto espera pela seguinte, alguma coisa acontece e ele fica bêbado. Quando recupera a lucidez, tudo o que resta é deixar a solução do problema para o próximo domingo.

Em algum momento em que o dinheiro parece sobrar, Andreas compra uma carteira. Estranhamente, resolve não colocar o dinheiro nela. E assim vai vivendo, gastando o que tem no bolso, até o momento em que percebe que ficou sem condições de devolver os 200 francos iniciais. Paradoxalmente, a sorte surge outra vez: em um bolso interno da carteira, ele encontra uma nota de mil francos. Mas, mais uma vez, o destino conspira para novas repetições de uma história que se encaminha para não ter conclusão – tanto que, enquanto se dirigia para a igreja, um policial lhe entrega outra carteira, imaginando que Andreas havia perdido a sua. Dentro, várias notas de dinheiro, totalizando 200 francos.  

Na companhia de Woitech, um companheiro do tempo em que trabalhava como mineiro, Andreas tomou várias doses de Pernod no bistrô próximo da Igreja. Estava aguardando pelo início da próxima missa, quando se sentiu mal. O delírio o faz pensar que uma menina que estava sentada em banqueta, próxima dele, é uma projeção de Santa Terezinha. E como não há nenhum médico e nenhuma farmácia nas vizinhanças, levam-no para a sacristia, pois os sacerdotes, afinal, entendem um pouco da morte e de morrer. Finalmente Andreas encontra uma maneira de resgatar a promessa que fez para aquele que lhe deu dinheiro na primeira vez. 

A lenda do Santo Beberrão possui características autobiográficas e deve ser lida como uma fábula sobre o quão mágico pode ser a vida daqueles que são marginalizados pela sociedade. O humor e a ironia, que estão nas entrelinhas do texto, estabelecem um paralelo entre as necessidades humanas e a simplicidade de quem gostaria de aproveitá-las sem algumas amarras. Andreas defende – à sua maneira – a liberdade de ignorar as exigências de uma estrutura política moralista que, por diversos motivos, nunca esteve preocupada com o bem-estar da população.     


Moses Joseph Roth (1894-1939)

A lenda do Santo Beberrão foi adaptada pelo cinema: La Leggenda del Santo Bevitore (Dir. Ermanno Olmi, 1988), uma produção franco-italiana.  


Cena de La Leggenda del Santo Bevitore

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