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segunda-feira, 5 de maio de 2025

A CULPA É DO LOU REED

 


Um elogio duplo à cidade de São Paulo e ao jornalismo cultural – apesar de se concentrar no centro da cidade e na crítica musical. Menos é mais. Muitas vezes, demais. Não importa. Certas coisas estão isentas de juízos de valor. Por isso, o ideal é aumentar o som da playlist e se deixar embalar pelas aventuras de Copland (Cop, Copi, Coppie, Cooperfield), protagonista de A Culpa é do Lou Reed, romance de Jotabê Medeiros (João Batista Medeiros de Araújo) publicado em 2024 pela Editora Reformatório.

A geografia da parte central da metrópole está em primeiro plano. Entre o Edifício Copan e o Parque Antarctica, entre o Hotel Hilton, o Largo do Arouche, a Boca do Lixo, a Estação São Bento e a Galeria do Rock, parte da história da música vai sendo contada na medida em que Copland caminha pelas ruas, praças e avenidas, feito um flaneur perdido no tempo e no espaço, no dia 12 de outubro de 1988. Ele está indo assistir ao show Human Right Now!, promovido pela Anistia Internacional para comemorar os 40 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nessa espécie de road book (celebração do deslocamento urbano), surgem em cada página do livro algumas pessoas estranhas, cada uma concentrada na própria loucura. Os personagens icônicos (pitorescos) do centro de São Paulo, o dono do sebo, a reunião de críticos musicais em uma loja de discos, os vários jornalistas extravagantes, o maestro de música clássica, “Escadinha”, o “beijoqueiro”, Patrício Bisso, alguns artistas sendo assassinados por michês – a fauna e a flora da floresta paulista se mostram diversificadas e divertidas. Um cenário que nunca mais se repetiu. Por isso, enquanto o futuro não acontece, o narrador revisa incontáveis episódios do passado glorioso. Em contrapartida, o presente não é tão auspicioso: campanha eleitoral de Erundina, o reggae (além do break, do hip hop, do rap) criando o próprio espaço musical, a venalidade das rádios (o jabaculê ditando as regras do sucesso), as boates e os bares onde todo mundo se encontra e se detesta, o aumento dos casos de aids/sida, a procura pelos paraísos perdidos. São indícios de que o leitor está diante de um roman à clef – somente aqueles que conhecem ou viveram a história musical de São Paulo conseguem ter acesso à “chave” e apreender todo o conteúdo narrado, além de descobrir quem é quem na confusão toda. Para os outros leitores, resta tentar ler as entrelinhas e rir com algumas dos episódios relatados (principalmente aqueles que são de conhecimento geral).  

Como pano de fundo, o crítico musical vive uma paixão platônica por Simone S., uma herdeira excêntrica. Esse desencontro sempre resulta em complicações emocionais para Copland e, em algumas ocasiões, hematomas na groupie (que, ao desejar fazer sexo com astros internacionais do rock, lembra Penny Lane, personagem emblemática do filme Almost Famous, Dir. Cameron Crowe, 2000).

O final do romance é melancólico e previsível. Em um mundo repleto de predadores, os deuses não costumam perdoar aqueles que esbanjam a juventude com certas bobagens – por exemplo, garantir a sobrevivência diária.

 

TRECHO ESCOLHIDO

– O problema são esses malditos intelectuais de jornal!, bradou Chumawski, sempre habitando aquela fronteira de quase-reaça, quase-gênio. Vivem decretando a morte disso, a morte daquilo, nascimento de outra bagaça. Levam a sério um monte de farsantes. Acho que até isso é culpa do Lou Reed, foi ele quem iniciou isso quando começou a dizer que ambicionava aproximar o rock da arte, fazer rock para um público adulto, andar de mãos dadas com o Delmore Schwartz. Aquela baboseira de “E se Raymond Chandler escrevesse uma letra de rock?”. O resultado é esse, essa praga de roqueiro querendo citar Rimbaud, copiando mal os versos de Blake e Yeats, imitando simbolista francês. Só pode ter sido o Lou Reed, prosseguiu Chuma, aquele maldito ordenhador de poetas suicidas!  



Jotabê Medeiros (João Batista Medeiros de Araújo).



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