Supermercado depois do almoço.
Precisando diminuir a solidão angustiante que habitava dentro da
geladeira, fui às compras. Muitos amigos não gostam desse tipo de tarefa.
Delegam para esposas, namoradas, mães, empregadas. Estou na contramão. Como
todo pequeno-burguês (falsamente esclarecido) adoro vinhos franceses e
portugueses, cervejas estranhas, frutas fora da estação. Entro no
estabelecimento comercial para comprar pão e saio com várias sacolas repletas
de chocolate, suco de laranja, queijos, livros.
Livros? Pois é, sempre considerei aquelas
estantes improvisadas (uma mesa no meio do corredor) como algum tipo de
provocação. Não consigo resistir aos encalhes horrorosos associados com preços
de ocasião. Imperativo ir lá e dar uma olhada. Garimpar. Sem muitas esperanças.
Assim como não existe pote de ouro no fim do arco-íris, também não se encontra bons
livros em liquidação de supermercado. Quer dizer...
Apenas R$ 14,90, dizia o cartaz tosco, a
letra trêmula de alguma funcionária – que provavelmente não comprou nenhum
deles. Vasculhei pilhas e pilhas. Entre a decepção de leitor e a satisfação de
levar para casa mais um livro, nada parecia auspicioso. Editoras pouco
expressivas. Muitos exemplares de autoajuda, dietas milagrosas, dicas
econômicas e administrativas. Quase nenhuma ficção – uns três ou quatro policiais
de segunda categoria.
Alegria súbita. No meio da ganga bruta
encontro Lucidez Embriagada, uma coletânea de cartas, poemas e artigos do
Hélio Pellegrino. Edição de 2004. Aspecto de novo. Embalado em plástico
transparente. Coloquei uma cópia na cestinha. Satisfeito, fui procurar por
outros itens da minha lista de supérfluos. Uns três corredores depois, voltei. Arrebanhei
outros dois exemplares – presentes para amigos.
Cerca de uma hora depois, livre do peso
excessivo das compras, sem me importar com o valor impresso no comprovante do
cartão de crédito, comecei a leitura. Hélio Pellegrino, que faleceu em 1988,
foi uma figura emblemática da cena brasileira durante algumas décadas. Nunca
economizou críticas ácidas aos governos militares que usurparam o poder nos
anos 70 e 80. Ao que se soma o fato de ter sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Além disso, seu nome está gravado na história literária em vários
momentos. Sutilezas de mineiro. Ao lado de Fernando Sabino, Otto Lara
Resende e Paulo Mendes Campos, ele foi um dos quatro cavaleiros do apocalipse (forma
poética e profética com que o narrador do romance Encontro Marcado, de
Fernando Sabino, descreveu a amizade iniciada nos tempos de escola, lá em Belo
Horizonte). Foi poeta de grande densidade, escultor de sentimentos e lucidez.
Também protagonizou namoro e casamento com várias mulheres, sendo Lya Luft a última das muitas paixões com que dividiu leito e amor.
O oximoro do título sinaliza para o conteúdo do livro. O inquieto Hélio Pellegrino cultuava o barroco. De forma apaixonada. Textos ricos em imagens inusitadas, demonstrações explícitas de carinho, gigante tentando acariciar formiguinhas. Para ele, gostar de alguém era mais, muito mais do que gostar. Era amar na imensidão oceânica do termo. E, nessa toada, nunca economizou o coração. Sou essa colméia de incêndios / essa assembléia de sinais / esse rumor insone.
Também protagonizou namoro e casamento com várias mulheres, sendo Lya Luft a última das muitas paixões com que dividiu leito e amor.
O oximoro do título sinaliza para o conteúdo do livro. O inquieto Hélio Pellegrino cultuava o barroco. De forma apaixonada. Textos ricos em imagens inusitadas, demonstrações explícitas de carinho, gigante tentando acariciar formiguinhas. Para ele, gostar de alguém era mais, muito mais do que gostar. Era amar na imensidão oceânica do termo. E, nessa toada, nunca economizou o coração. Sou essa colméia de incêndios / essa assembléia de sinais / esse rumor insone.
Vinte cinco anos depois de sua morte,
Hélio Pellegrino faz falta. Tento sublimar essa lacuna, lendo Lucidez Embriagada, livro
organizado pela neta, Antonia Pellegrino. Não é a mesma coisa, embora suas
páginas carreguem o encantamento e levem para longe o esquecimento.
OBRIGADO POR ADQUIRIR UM EXEMPLAR PARA MIM. A PARTIR DE AGORA SERÁ CONHECIDO COMO RAUL, O GENEROSO.
ResponderExcluirCaro Raul, Já leu José Luis Peixoto? Na biblioteca pública de Lages, tem o livro: Nenhum Olhar. gostaria de saber sua opinião sobre este Livro.
ResponderExcluirDaniel: o português José Luis Peixoto é um escritor denso, em alguns momentos difícil de ler, mas é um cara talentoso. Esse texto, "Nenhum olhar", eu não li.
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