A Sibéria do jornalismo contemporâneo é a
coluna dos obituários. Pior do que isso somente o instante em que a vida do
jornalista responsável pelo setor se transforma no texto publicado. Esse é
um dos riscos da profissão. Essa é uma das ironias da vida – que muitas vezes
prefere “publicar” a piada em detrimento da sobriedade das relações sociais.
Para quem quer construir uma carreira profissional
no jornalismo, escrever comentários fúnebres (também conhecidos como
necrológios) se assemelha ao garimpar ouro em mina de sal. Publicado em locais
inóspitos, muitas vezes ao lado de anúncio publicitário ou calhau, correndo o
risco de sequer ser percebido pelo leitor, esse tipo de texto exige um redator
com algum talento literário e que seja capaz de resumir a história de uma vida
em poucos parágrafos.
Há quem goste. Mais do que isso,
há quem transforme a considerada pouco nobre função em texto de qualidade. Afinal, como disse
alguém (ou, se não disse, deveria ter dito), o destino da literatura é a vida
eterna – mesmo quando se trata da morte. O Livro da Vida (obituários do New
York Times), volume organizado por Matinas Suzuki Jr., e que integra uma
coleção voltada ao Jornalismo Literário, ambiciona alcançar esse patamar.
Em 310 páginas estão espalhados 57
obituários, alguns textos assessórios e um inspirado posfácio (A pauta de
Deus). Para surpresa de muitos leitores, a coletânea (que aparentemente destaca
um aspecto menor do jornalismo) deve ser vista como um manual
indispensável para quem vive e sobrevive nas redações dos jornais e revistas.
Estudantes incluídos nesse pacote.
Entre os muitos personagens retratados há
uma fauna singular, dezenas de vidas impressionantes, quase inverossímeis. Para
todos os gostos – ou desgostos. Desde Jerry Siegel (o homem que criou o
Super-homem e vendeu os direitos autorais por míseros 130 dólares) até Nguyen
Ngoc Loan (o general vietnamita que ficou famoso ao ser fotografado executando
um preso em 1968).
Um dos momentos mais interessantes
remete a um episódio da históriado aviador Douglas Corrigan. Em Nova Iorque,
ele pediu permissão para um voo experimental, sem escalas, para Los Angeles,
Califórnia. Aterrissou 28 horas depois em Dublin, Irlanda. Passou a vida inteira
sustentando que havia feito uma curva errada e se perdera por causa de uma
bússola defeituosa.
Com carinho e talento, o livro
celebra a existência humana – como comprova o texto fúnebre em homenagem a Robert
McG Thomas Jr., o homem que praticamente inventou a fórmula jornalística
utilizada nas páginas de obituários.
Para Matinas Suzuki Jr., Os melhores
obituaristas desempenham o papel de pequenos deuses ao dar o sopro de novas
vidas, pelo curto espaço da leitura (...). Quando um obituarista acerta a mão,
chega a dar imortalidade a certas coisas que, sem ele, seriam singelamente
irrelevantes. São os detalhes que fornecem valor à existência humana, que nos
distinguem em um universo de mesmices.
deu vontade de ler...
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