Ivone, Dalva e Tia Têre. Raul e Mara |
Nunca soube como se deve agir quando
morre alguém que, em determinado momento, fez parte de nossa história. Imagino
que algumas dessas reações estão conectadas com a intensidade do afeto e com aqueles
momentos (engraçados ou trágicos) que vivem se perdendo na escuridão da memória.
De qualquer forma, nada é suficiente para diminuir a tristeza.
Na manhã de uma segunda-feira, uma de
minhas duas irmãs, Mara, me telefonou para informar que “Tia Têre” estava hospitalizada.
Pediu notícias. Tão logo foi possível, telefonei para todos os hospitais. Não
consegui obter informações. Era tarde demais. Tereza de Jesus falecera dois
dias antes.
Tia Têre foi uma figura importante na
história de minha família. Pensando bem, não foi só ela. Todos os irmãos Romano
(Rogério, Sebastião, Ivone, Dalva e Terezinha) tiveram uma cota de participação
na infância dos quatro filhos da família Arruda.
Fomos vizinhos. No bairro da Brusque. Um
buraco na cerca que dividia os dois lotes invalidava fronteiras e fortalecia a amizade.
Na casa ao lado da nossa, um sobrado de madeira, o cheiro de café moído no
pilão contrastava com o aroma do pão, das bolachas, das roscas de polvilho e
coalhada. No quintal, peras e uvas. Um universo de sabores. As melhores
desculpas para esquecer, depois da escola, de voltar para casa.
Ivone ajudava minha mãe com os filhos menores.
Tia Terê e Dalva eram empregadas domésticas. Não lembro em que trabalhavam Rogério
e Sebastião, mas isso, naquele tempo, não me parecia importante porque eles
eram leitores vorazes de livros de bolso, principalmente os de faroeste. Eu
também. Nas tardes de domingo, depois do cinema, costumava comprar um ou dois
desses livrinhos (que eram muito baratos). Dois ou três dias depois, após a
leitura, costumava levá-los para os vizinhos. Rogério e Sebastião sempre tinham
outros exemplares e que eu ainda não havia lido. Lembro que um dia, com uma pilha
debaixo do braço, subi a escada que conduzia ao quarto de Sebastião. Ele me
recebeu com um sorriso largo e me indicou uma pilha que estava encostada na
parede. Leve o que quiser, me disse, enquanto olhava as capas dos que eu tinha
deixado em cima de uma mesa. Voltei para casa com muito mais do que tinha
levado!
Em 1969, mudamos para perto do Aeroporto
Velho e para longe dos irmãos Romano. Não tenha certeza, mas Rogério, que era o
mais velho, já havia falecido (doença pulmonar ou cardíaca).
De uma forma ou de outra, na medida do
possível, os laços de amizade foram mantidos. Mas, à distância. Encontros ocasionais.
Eles venderam a casa e também foram para longe. Ivone casou. Sebastião foi para
o Mato Grosso. De qualquer forma, não voltou. Sua morte ainda é um mistério a
ser resolvido. Logo depois (ou foi antes?), Ivone também faleceu. As datas se
confundem na minha memória, falta precisão, sobram névoas.
As crianças de ontem se tornaram os
adultos. Todos nós crescemos – de uma forma ou de outra. Mara casou. Foi morar
no Mato Grosso. Ana, minha outra irmã, também casou. Foi morar no Paraná.
Dispersos pelo mundo, perdemos o contato com a nossa própria história.
Foi no fim da década de 90 do século XX
que as raízes voltaram a ter algum sentido. De vez em quando encontrava as duas
remanescentes da família Romano pelas ruas da cidade. Descobri, por exemplo,
que Tia Têre tinha casado e enviuvado. Fui feliz, me contou com aquela voz
doce, sempre otimista.
Tia Têre era uma presença recorrente nas
conversas – por telefone – que costumo ter com Mara. Minha irmã adora
bisbilhotar a história de nossa família e gosta de “trocar figurinhas” sobre os
tempos de antigamente. Isso significa que, invariavelmente, lembramos dos irmãos
Romano – que sempre fizeram parte da nossa mitologia familiar.
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