Leon Zhelezniak, ciente de que Os dias
eram todos iguais; os filmes, não, gasta a vida e as esperanças dentro das
salas de cinema. Três, quatro, cinco sessões por dia. Em algum momento impreciso,
há um desvio de rota. Leo (é assim que sua companheira, Flory, o chama)
descobre – como se fosse o reflexo de um espelho – que outras pessoas também
vão ao cinema com frequência. Uma mulher se destaca na multidão. Alterado o
ordenamento obsessivo, Leo começa a persegui-la. Vai aos filmes que ela
escolhe, senta perto, quer estar perto dela, quer entender porque ela vai ao
cinema. Um dia, dentro do banheiro feminino, conversam. Ou melhor, se separam.
Certos filmes não comportam finais felizes.
A Famélica, um dos nove contos da
coletânea O Anjo Esmeralda, de Don DeLillo, descreve o desespero tranquilo de Leo,
que, na beira do precipício emocional, está prestes a pular na direção do
desconhecido. Entre o real e o imaginário sobram poucas escolhas. Esse também é
entendimento das irmãs de caridade Edgar e Grace, personagens do conto homônimo
ao título do livro e que se refere a uma situação peculiar: a vida
marginalizada das crianças nas periferias urbanas. Enfrentando os múltiplos
perigos, ladrões, traficantes, estupradores, cabe ajudar. Ajudar ao Outro, mesmo que à força, como quer irmã Grace.
Ajudar ao Outro, com doçura, como quer Irmã Edgar. Nos dois casos, a vida foge
pelo vão dos dedos. Outro grafite irá decorar o muro das lamentações na
periferia de uma grande cidade. A salvação humana não depende de boas
intenções. Ou de pequenos milagres – tábua de salvação para almas corroídas pela
brutalidade.
A barbárie humana está visível nas
pinturas sobre a morte de Ulrike Meinhof e Andreas Baader. Nesse cenário,
composto por tristeza incontida, ausência de entendimento, perplexidade, o
encontro amoroso que não se completa. Não se trata de um corpo em contato
físico com outro corpo. Prazeres circunstanciais são insuficientes para delimitar a
vida e as promessas vazias que a agasalham. A solidão se alimenta de momentos truncados, ausências, pequenas
tragédias, banalidades imperfeitas. Situação difícil de aceitar. Impossível acertar
o tom desse drama que se repete a cada instante, agulhada na carne, dor
intensa.
Os valores do capitalismo (poder
econômico, ausência de escrúpulos, mercantilização sexual) se expõem em Criação. Casal em férias não consegue voltar para casa. Momento repleto de
mal-entendidos e apetites insuspeitos. Traição amorosa. A vida de vários
personagens se fragmentando. Como cobras que trocam de pele, deixam destroços
pelo chão, vestígios do que se perdeu.
Nos nove contos de O Anjo Esmeralda os
sentimentos são substituídos pela aridez. Não há envolvimento. O distanciamento
narrativo incomoda – é o efeito desejado, marca registrada da boa literatura.
Don DeLillo, um dos mais importantes
escritores estadunidenses, escreveu Submundo, Ruído Branco, Cosmópolis, Os
Nomes, Homem em Queda, entre outros romances de incontestável qualidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário