O melhor amigo de um investigador
policial é o dicionário. Essa tese, defendida pelo Inspetor Kostas Xaritos,
está desenvolvida nos romances policiais escritos pelo grego (nascido na
Turquia) Petros Markaris. Salvo engano, apenas duas das aventuras de Xaritos
foram traduzidas no Brasil: A Hora da Morte (2008) e Os Amantes da Noite (2010). Lamento ter conhecido esses romances somente agora – pois perdi,
durante muito tempo, boa diversão.
Como é de conhecimento geral, leitores
compulsivos são incapazes de resistir a uma promoção – qualquer promoção – na
livraria da esquina. Aliás, nem precisa ser na esquina. Vinte quilômetros ou
dez quarteirões, tudo é desafio, a cidade escorrendo pelas janelas do transporte
coletivo, e o sujeito volta com a sacola cheia, sem arrependimentos, a alma em
festa. Distância nunca foi sinônimo de impedimento. Outro dia, em um desses eventos, encontrei um
exemplar de Os Amantes da Noite. Título ruim. Parece livro pornográfico – ou
coisa pior. O que me chamou a atenção foi uma informação acessória na orelha da
contracapa. Petrus Markaris foi parceiro, em alguns roteiros de cinema, de Theo
Angelolopoulos (diretor de Paisagem na Neblina, 1988, entre outros belos filmes). Eles estão juntos em, por exemplo, A Eternidade e um Dia (1998). Contra isso não há argumentos, pensei. Acrescentei o livro à cesta de compras e
segui adiante. Umas duas semanas depois, vitima de insônia, fui procurar algo
para me acompanhar no suplício. Li as primeiras frases e... Quando percebi, o
dia estava amanhecendo e tinha devorado um terço da narrativa. Se considerarmos
que o texto tem 477 páginas, então...
Kostas Xaritos é um homem simples.
Daqueles que necessitam superar muitas dificuldades para entender as
complicações do mundo. Cada um dos casos que resolve se assemelha a uma batalha
medieval. Em suas aventuras sobram violência, sangue e coragem. Também precisa
enfrentar problemas domésticos – contra os quais se rebela, sem o mínimo
sucesso. A esposa, Adriana, e a filha, Katerina, o atormentam – embora ele (às
vezes, a contragosto) faça de tudo o que lhe é possível para agradá-las.
Raramente consegue. Em compensação, há reconciliações, “recheados” (tomates,
pimentões e abobrinhas) e algum amor. O que mais pode querer um homem bom?
Um pouco perplexo com esse conjunto de desafios e tempestades, resta-lhe a companhia dos volumes escritos por Dimitrákou, Lidell-Scott, Voztazóglou, Andrioti, Tégopoulou-Fitráki, além do Webster e do Oxford e outros menos cotados. Nos verbetes dos dicionários – que jamais podem ser considerados como uma rota de fuga – ele encontra todas as explicações que o mundo concreto não consegue lhe fornecer. E, em alguns casos, pistas para desvendar os casos em que está trabalhando.
Um pouco perplexo com esse conjunto de desafios e tempestades, resta-lhe a companhia dos volumes escritos por Dimitrákou, Lidell-Scott, Voztazóglou, Andrioti, Tégopoulou-Fitráki, além do Webster e do Oxford e outros menos cotados. Nos verbetes dos dicionários – que jamais podem ser considerados como uma rota de fuga – ele encontra todas as explicações que o mundo concreto não consegue lhe fornecer. E, em alguns casos, pistas para desvendar os casos em que está trabalhando.
Kostas Xaritos lembra (ao longe, ao longe) o Comissário Salvo Montalbano (personagem
criado pelo italiano Andrea Camilleri). Mas, enquanto Montalbano é naturalmente
engraçado, Xaritos ostenta um mau humor sem fim. Tudo o aborrece. E, claro, essa
é uma de suas características mais peculiares. Um dos motivos que ajudam a
explicar esse comportamento ranzinza está na evolução de sua carreira policial.
Iniciou como carcereiro em uma prisão, durante a ditadura militar. Depois, aos
poucos, foi ascendendo na profissão (inclusive com uma passagem pela Delegacia
de Narcóticos). O contato com o crime (e suas variantes) foi curtindo a pele de
Xaritos, o foi transformando em um homem amargo – mas, com um senso crítico
admirável. Com estoicismo suporta essa mistura de dissimulação e política que está espelhada na figura daquele que muitas vezes o faz perceber que o melhor caminho para solucionar um caso não é uma linha reta – o chefe de polícia, Nikoláo Guikas.
Do
ponto de vista narrativo, os dois romances não apresentam nenhuma novidade. São
narrativas em primeira pessoa (protagonista-narrador), onde os acontecimentos
descritos em ordem direta sofrem alguns desvios dramáticos nos momentos em que Xaritos
relata as crises familiares (introduzindo um pouco de humanidade em um mundo
cruel e insensato).
Para
quem aprecia o gênero policial, os dois romances de Petros Markaris publicados
no Brasil (A Hora da Morte e Os Amantes da Noite) são entretenimento de
primeira qualidade.
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