Ninguém resiste aos mecanismos de
sedução da iconoclastia. A vontade de jogar farofa no ventilador costuma ser uma
receita fácil para quem alimenta desejos de romper com o establishment. Isso
fica evidente em Asco, novela escrita por Horacio Castelllanos Moya (nascido
em Honduras, mas cidadão de El Salvador), onde quase todos os pecados de um
pequeno país centro-americano são revelados através de um discurso ressentido.
O subtítulo da narrativa – Thomas
Bernhard em San Salvador – indica as origens literárias de Asco. Também
aponta para o uso de uma formula pronta (parágrafo monolítico, variações espaçadas
e repetitivas do mesmo tema, doses maciças de ressentimento, descontrole
emocional), onde Horacio Castellanos Moya preencheu os espaços em branco e
produziu um texto ad hoc.
Em Asco, Edgardo Vega, que mora no
Canadá, regressa a El Salvador para assistir ao enterro da mãe. Hospeda-se na
casa do irmão, enquanto aguarda que os tramites burocráticos referentes à
herança se completem.
Depois de quinze dias em San Salvador, Edgardo
convida para uma conversa o amigo de infância, Moya (que exerce, no texto, as
funções de narratário. Ou seja, surge no texto apenas para complementar a ação
narrativa. Não possui voz e a sua presença não se materializa no conjunto de
fatos que estão sendo narrados. Não deve ser confundido com o autor). Eles tomam
uísque e ouvem o Concerto em Si Bemol para Piano e Orquestra, de Tchaikovsky.
As 91 páginas do texto, composto por um
único parágrafo, organizam uma exposição de motivos inflamada por litros de
intolerância e falta de bom senso. Embora, o que está mesmo em falta é outra
coisa: boa educação. O verborrágico Edgardo Vega não possui um mínimo de
urbanidade ou de consciência social. Sua metralhadora giratória não perdoa nada
e ninguém.O ódio alimenta o discurso: (...) estou aqui depois de dezoito anos,
voltei apenas para constatar que fiz muito bem em ir embora, que o melhor que
pode ter acontecido comigo foi sair desta miséria, que este país é uma alucinação,
Moya, só existe pelos seus crimes, por isso agi de forma correta ao partir, ao
mudar de nacionalidade, em não querer mais saber mais nada do país, foi a
melhor coisa que poderia ter acontecido comigo, me disse Vega.
Sem dar chances aos vínculos afetivos, Edgardo
Vega despeja os piores insultos à cerveja produzida no país, à comida típica
de El Salvador (“pupusas”), às equipes de futebol, aos políticos, aos
militares, ao irmão, à cunhada, à empregada do irmão e da cunhada, aos
sobrinhos, aos amigos do irmão. Como se não bastasse, fala mal dos monumentos, do
transporte público, do colégio onde estudou (e, por extensão, dos irmãos
maristas, que dirigem a instituição educacional). Nada escapa das camadas de fel
que vai espalhando pelas páginas da narrativa. Se essa situação não fosse
ridícula, proporcionando alguns momentos bastante engraçados, provavelmente
seria insuportável – e obrigaria a interrupção da leitura. Ninguém tem paciência
com aqueles que escolhem o pessimismo extremado como razão de vida.
Nas últimas páginas, Edgardo Vega revela
o único elemento capaz de lhe causar algum tipo de afeição sincera: o
passaporte canadense, documento que transforma em uma espécie de rota de fuga
do ambiente que detesta e o oprime.
P.S.: Seguindo pela mesma estrada, mas
rejeitando o modelo instituído por Thomas Bernhard, dois outros escritores latino-americanos
merecem atenção – quando o tema é o desprezo pelo país que nasceram: o
brasileiro Diogo Mainardi (principalmente em Contra o Brasil) e o colombiano
Fernando Vallejo (A Virgem dos Sicários e O Despenhadeiro).
Nenhum comentário:
Postar um comentário