Ilustre e ilustradíssima:
Tentei escrever uma resenha sobre Borda, teu livro de poemas. Fracassei. Ou melhor, esbarrei nas armadilhas que
estão espalhadas por esse território perigoso que chamam de linguagem. Em um
esboço, o tom acadêmico foi excessivo. Ou seja, faltou sentimento. Em outro,
mais coloquial, sobraram adjetivos. Nesses dois momentos não consegui elaborar
algo apropriado. Então, perdoe-me por escolher um terceiro caminho. Quero falar
de teu livro nessa tentativa de carta – que é uma forma de ir construindo o
pensamento diante da folha em branco, a caneta (ou o computador) fazendo uma ponte
entre a reflexão e a ação.
Até alguns meses atrás, éramos (você e
eu, eu e você) desconhecidos. Creio que foi um “post” da Adriane Garcia, no Facebook, que chamou a minha
atenção para a tua poesia. Não consegui resistir àquela imagem lírica. Compartilhei.
Com prazer. Em seguida, passei a acompanhar tua página. E gostei tanto que ampliei
o contato: solicitei (mediante pagamento) um exemplar de Borda.
O livro está aqui, ao meu lado. Li
várias vezes. Todos os poemas. De alguns gostei mais. De todos senti inveja.
Queria ter esse domínio da gramática poética. Queria poder misturar suavidade e
violência em doses desiguais. Enfim, queria saber expressar a espantosa harmonia que
encontro em teus poemas.
Outra coisa de que gostei é que não há
nada de hermético no que você escreve. Todos os teus versos são avessos às
complicações. Com um vocabulário objetivo, você vai construindo um espaço físico
particular, síntese gráfica de tua casa, onde o leitor é convidado para se
sentar à mesa e desfrutar do banquete oferecido nas páginas de Borda. Diante
de todos esses agrados, é inescapável (palavra que você jamais
usaria) ignorar o poder encantatório dos versos que compõem os teus poemas.
São textos onde a condição feminina está
exposta sem vergonhas, sem amarras. São declarações objetivas sobre de que
lado da fenda estar. Ao mesmo tempo, há um expresso repúdio para a imagem da
“bela, recatada e do lar”. No teu mundo, estereótipos não resultam em versos
de qualidade. Você prefere um cisco / no olho da história. Por isso mesmo é
que alguns poemas anunciam uma mulher que gosta de gozar e que anda cansada
de ser mater dolorosa. Diante das graves questões que assolam o mundo, você
está ciente que não é possível tolerar o inominável: de raiva / desfiro a
mordida. Um pouco depois, o poema se completa com o ritual de execução: noutra cena / liberto a fúria / e corto-lhe a aorta. Essas mortes simbólicas
não significam uma guerra contra a masculinidade. Apenas relatam a intolerância
à violência – que, infelizmente, é uma forma de inaugurar décadas de
rejeição.
Norma, o leitor se surpreende com a delicadeza
com que você abraça os pequenos elementos do dia a dia. Os sentimentos, as
lembranças, os rumores intangíveis. O leitor retém na mente a história do
menino sorrindo dentro da fotografia, as revelações sobre a morte (é para isso
que servem os cachorros) e os movimentos de um gato, em um dia de sol. Leio
esses poemas e imagino você dizendo para os leitores (teus novos alunos) que
vida está ao alcance de quem possui um mínimo de sensibilidade e leveza.
O que estou tentando explicar, e sem
sucesso, Norma, é que Borda instala um bordado das
palavras. Mas, com a ressalva de que você não é Penélope, ou melhor, não é uma
Penélope qualquer, tua epopeia é outra, através da poesia fica expressa a
recusa de passar vinte anos esperando por quem foi lutar outras guerras,
destruir outras cidades. Você é Norma, a lei, o poema, o universo em expansão.
Por isso, a escolha do leitor é simples. No compor e decompor da aventura
lúdica, brincadeirinha do destino, desatino para quem não está acostumado a
perceber que o mundo cabe inteirinho dentro de alguns versos, a vida (abismo e
vertigem) pulsa com força. Tua poesia a isso reforça. Beleza em estado puro.
Norma, vou encerrar por aqui. Poderia
continuar essa missiva por várias páginas. Corro o risco de me tornar redundante.
Ou ininteligível. Então, quero desejar vida longa para você e para Borda.
É isso.
Beijos,
Puxa vida! Demais!!!
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