O mundo pode ser visualizado a partir da
mesa do botequim. Basta a cerveja estar gelada e os preços serem acessíveis. Um
prato com tira-gostos também ajuda nas elucubrações filosóficas. Evidentemente,
a palavra elucubrações jamais deve ser pronunciada nesse tipo de ambiente. Em
contrapartida, pode-se falar sobre qualquer outro assunto, incluindo sexo,
drogas e samba, o resultado do jogo do bicho, a previsão do tempo e os tropeços
afetivos.
Conversas de Botequim, livro organizado
por Henrique Rodrigues e Marcelo Moutinho, reúne vinte contos baseados nas
músicas de Noel Rosa. Em outras palavras, vinte histórias de amor que terminaram
mal. Nenhuma novidade. Há quem sustente a tese (controversa) de que a felicidade
não combina com a literatura, a música e as artes em geral. Em contrapartida,
os desastres (sejam dramas, sejam comédias) são festejados e descritos em
toneladas de papel e hectolitros de tinta ou em orquestrados lamentos. O Brasil
é o reino da dor-de-corno (no imaginário popular corre a ideia de que quem não
é corno, um dia será).
Organizado em ordem alfabética pelo
prenome dos autores, o livro inicia com Aldir Blanc e termina com Veronica
Stigger. No meio da lista estão alguns dos escritores que integram o time principal
da literatura brasileira contemporânea: Flávio Izhaki, Ivana Arruda Leite,
Marcelino Freire, Socorro Acioli,...
A maior parte das vinte narrativas ocupa
duas, três páginas. Coerente com a ideia de que o conteúdo supera a forma, em
nenhuma delas há grandes experimentos estilísticos. Ao contrário, há uma busca
constante pela linguagem coloquial, pela transmissão eficiente da mensagem. As
exceções são Dama do Cabaré (Luisa Geisler) e Feitio de Oração (Rafael
Gallo), que fogem (mas não muito) do estereótipo narrativo.
Noel Rosa (1910-1937) |
De minha parte, sem desmerecer as outras
narrativas, gostei muito dos textos escritos por Aldir Blanc, Alexandre Marques
Rodrigues, Cintia Moscovich, Luiza Geisler e Sergio Leo. Em ritmo de
samba-canção ou de bolero, são histórias que gravitam em torno das diversas
formas de fracasso amoroso.
É com o corpo que se compreende as
coisas, diz o narrador de Feitio de Oração, de Rafael Gallo. É através do
corpo que a vida se manifesta em um mundo tumultuado, repleto de pressões e
horrores. O corpo em decomposição está presente – de maneira surpreendente – no
conto de Aldir Blanc (Feitiço da Vila). O corpo doente surge – de forma
dolorosa – no conto de Alexandre Marques Rodrigues (Com que Roupa). O corpo
desprezado se manifesta no conto de Cintia Moscovich (Pra que Mentir?). O
corpo excitado marca ponto no conto de Luiza Geisler (Dama do Cabaré). O
corpo insatisfeito – que quer ser outro – aparece no conto de Sergio Leo
(Tarzan, o filho do Alfaiate). Evidentemente, o livro está repleto de atividades e sentimentos incorpóreos.
Conversas de Botequim consegue transpor
a barreira entre a música e a literatura. As vinte narrativas compõem diversas
variações do mesmo tema. São melodias harmônicas. E que devem ser lidas em
qualquer hora, em qualquer lugar. E que, independente do momento, nos encaminham às discotecas particulares ou ao You Tube,
onde a voz riscada de Noel Rosa nos surpreende contando um pouco das
complicações que envolvem o existir.
Amigo Raul Arruda, se ainda não tenho laços contigo, tenho com os teus, creio, pois fui diretor técnico do presidente Telmo Ramos Arruda na CohabSC e meu dentista é o filho dele, Renam. Gostei imensamente de teu espaço pelo conteúdo robusto de literatura, coisa rara em nossos dias, onde o povo está ligado do fácil video ou display. Parabéns! Gosto demais de literatura, mesmo de formação exatas como engenheiro; e principalmente de poesia. Procuro há tempo o poema de teu conterrâneo "Adeodato" e o não acho na rede. Se pudesses me disponibilizar em meu blog, se acaso o tiveres, seja site ou ele mesmo, agradecer-te-ia imensamente. Mas como dizia meu pai, filho, neto e bisneto de comerciantes portugueses: "quando eu entro em uma venda pela primeira vez, não saio sem comprar uma coisinha qualquer!" E eu como versejador contumaz, quando entro em um espaço importante como este, pela primeira vez, não posso sair sem deixar uns versinhos meus! E eles vão aqui ao belíssimo espaço:
ResponderExcluirO blogue de literatura
De um papagaio charão,
É uma consagração
À Serra e a sua cultura,
Cuja pena está à altura
Desta nação cultural:
A língua - de Portugal
Aos quatro cantos do mundo
Que o talento fecundo
De Arruda dá o seu sinal.
Sinal do que há na Serra,
No Brasil, no mundo inteiro
De mesma língua e parceiro
Do saber que o blogue encerra
Como que um marco na terra
Onde há o mesmo linguajar.
Desde Macau, o lugar
Mais distante, no oriente
Até ao nosso continente
Em Lages - de Arruda, o lar.
Grande abraço. Laerte (Silo)
Laerte: Obrigado. Eu tenho um exemplar do poema do Márcio Camargo Costa. Vou procurar. Enviarei.
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