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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

TÔ FRITO!


A história da gastronomia está repleta de incontáveis desastres. Para espanto geral, nem todos terminaram em tragédia. Só alguns. E que foram rapidamente esquecidos. Em compensação, por caminhos tortuosos, algumas dessas catástrofes resultaram em pratos saborosos. Ou experiências didáticas.

As jornalistas Luciana Fróes e Renata Monti organizaram um livro com algumas dessas histórias que tiveram final feliz. Quer dizer, mais ou menos felizes. Mas todas flertando com o riso e o inesperado. Tô Frito! (uma coletânea dos mais saborosos desastres na cozinha) reúne depoimentos de 20 chefs e “restaurateurs” brasileiros. Esses relatos, transitando em uma faixa muito extensa de narrativas (do bizarro ao patético, do drama à comédia), conseguem entregar ao leitor um “prato” suculento – desses que possuem sabor de quero mais.

Comprovando que em qualquer cozinha – seja em restaurante, seja em casa – não faltam momentos em que desanda a maionese, o glacê, o suflê ou qualquer coisa que esteja no fogão, torna-se impossível não rir com Roberta Ciasca quando ela relata o sumiço de alguns frangos e batatas destinados a um almoço. A descrição da noite de inauguração do restaurante “Entretapas”, de Jan Santos, é hilária. O mesmo vale para o primeiro restaurante de Claude Troisgros. Para tentar ampliar a freguesia, Rogério Fasano promoveu um chá da tarde – pesadelo é um adjetivo suave para explicar o acontecimento. Nessa linha, quando tudo parece que vai dar errado, mas que – surpresa! – o resultado é outro, está a torta Terremoto, de Flávia Quaresma.

A vida de um Chef de Cuisine não é tão glamorosa quanto parece. Por exemplo, Alex Atala conta que quase teve o seu braço amputado em Singapura. Convidado para preparar um jantar no Ritz Carlton, esqueceu de proteger um dedo machucado. Ao limpar um tamboril, acabou sendo infectado por uma bactéria invasiva. Resultado: além do susto, quatro cirurgias e várias cicatrizes.

Renata Monti e Luciana Fróes
E aquela situação em que a equipe (por algum motivo) fica desfalcada? Improvisar é preciso. Precioso. Inclusive porque os momentos de terror se transformam – mais tarde – em lições de aprendizado e de profissionalismo. É o que ensinam Jan Santos, Zazá Piereck e Roberta Ciasca. O mesmo se pode dizer de Guga Rocha que, em ritmo tirar coelho de cartola, conseguiu, em determinado momento, transformar as condições mais adversas em sucesso.

As aventuras gastronômicas (ou melhor, de contrabando) de Rogério Fasano deveriam ser filmadas como parte de alguma comédia-pastelão. A cena em que ele quase foi preso por causa de algumas alcachofras ou aquela quando passou pela alfandega com uma peça de pastrami escondida dentro de uma mala são clássicas e deveriam ser objeto de estudo – por diversos motivos – nas faculdades de gastronomia do Brasil.

Provavelmente, a maior contribuição gastronômica que se pode observar em alguns dos relatos de Tô Frito! é a inclusão de diversos ingredientes brasileiros. Tapioca, farinha de banana, carne de sol, pão de queijo, abóbora – não há limites para a criatividade. 

No terreno das relações políticas há a descrição de diversos momentos em que o preconceito se mostra presente. Exemplar nesse sentido são as histórias “das cachaças” (relatada por Edméa Falcão) e a da prostituta (contado por Alex Atala). Como essas narrativas estão envoltas em leveza, como se fossem “causos” corriqueiros, há um atenuar dos efeitos nocivos que representam.

Claude Troisgros conta que quem trabalha com alimentos – em algumas situações – precisa se adaptar aos mais diferentes ingredientes. E nem todos são comestíveis (quer dizer,...). Com bom humor ele conta duas histórias envolvendo um gato e diversas baratas. São imprevistos que precisam ser previstos em um mundo em que as surpresas são constantes.

Resumo do livro: Tô Frito, longe de ser um livro destinado apenas ao pessoal que trabalha na cozinha, é divertidíssimo. E de fácil leitura.


TRECHO ESCOLHIDO


Certo dia, lá no Garcia & Rodrigues, um funcionário aparece para me avisar:

– A família do Ed Motta está lá no café, querem falar pessoalmente com o senhor.

Subo as escadas na correria, preocupado com meu amigo, e me sento à mesa com a mãe, uma tia falante, além do médico da família e Edna, sua mulher, parecendo não acreditar muito naquela intervenção.

– Gostaríamos que o senhor proibisse a vinda do Ed aqui – disse a esposa.

Apesar de o pedido me parecer insólito, determinei em reunião com a equipe a proibição da entrada de Ed. Vida de restaurateur é repleta de saia-justa.

Passaram-se umas duas semanas de embargo. E um dia novamente aparece um funcionário, para me avisar da presença de um menino de rua na loja com uma lista de compras e dinheiro na mão, pedindo itens como presunto San Daniele, 250 gramas de foie gras, queijo Pont-l’Évêque e por aí vai – uma lista pra lá de caprichada. A presença do menino não era nenhum problema, mas aquela encomenda me fez lembrar, curiosamente, de um outro cliente...

Assumi meu lado investigador, e o rapaz logo revelou o mandante por trás do apetitoso rol. Lá estava o nosso Ed Motta, escondidinho do outro lado da Ataufo de Paiva, atrás de uma fileira de táxis.

Liguei para a Edna, com o Ed ao meu lado, e o jeito foi suspender a proibição, na época ainda não se dizia “Fazer o quê?”, mas foi exatamente o que eu pensei. 

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