A história da gastronomia está repleta de incontáveis desastres. Para espanto geral, nem todos terminaram
em tragédia. Só alguns. E que foram rapidamente esquecidos. Em compensação, por
caminhos tortuosos, algumas dessas catástrofes resultaram em pratos saborosos. Ou
experiências didáticas.
As jornalistas Luciana Fróes e Renata
Monti organizaram um livro com algumas dessas histórias que tiveram final feliz. Quer dizer, mais ou menos felizes. Mas todas flertando com o riso e o inesperado. Tô
Frito! (uma coletânea dos mais saborosos desastres na cozinha) reúne depoimentos
de 20 chefs e “restaurateurs” brasileiros.
Esses relatos, transitando em uma faixa muito extensa de narrativas (do bizarro
ao patético, do drama à comédia), conseguem entregar ao leitor um “prato”
suculento – desses que possuem sabor de quero mais.
Comprovando que em qualquer cozinha – seja
em restaurante, seja em casa – não faltam momentos em que desanda a maionese, o
glacê, o suflê ou qualquer coisa que esteja no fogão, torna-se impossível não rir
com Roberta Ciasca quando ela relata o sumiço de alguns frangos e batatas
destinados a um almoço. A descrição da noite de inauguração do restaurante “Entretapas”,
de Jan Santos, é hilária. O mesmo vale para o primeiro restaurante de Claude
Troisgros. Para tentar ampliar a freguesia, Rogério Fasano promoveu um chá da
tarde – pesadelo é um adjetivo suave para explicar o acontecimento. Nessa
linha, quando tudo parece que vai dar errado, mas que – surpresa! – o resultado
é outro, está a torta Terremoto, de Flávia Quaresma.
A vida de um Chef de Cuisine não é tão
glamorosa quanto parece. Por exemplo, Alex Atala conta que quase teve o seu
braço amputado em Singapura. Convidado para preparar um jantar no Ritz Carlton, esqueceu de proteger um dedo machucado. Ao limpar um tamboril, acabou sendo infectado
por uma bactéria invasiva. Resultado: além do susto, quatro cirurgias e várias
cicatrizes.
Renata Monti e Luciana Fróes |
E aquela situação em que a equipe (por
algum motivo) fica desfalcada? Improvisar é preciso. Precioso. Inclusive porque os momentos de terror se transformam – mais tarde – em lições de aprendizado
e de profissionalismo. É o que ensinam Jan Santos, Zazá Piereck e Roberta Ciasca.
O mesmo se pode dizer de Guga Rocha que, em ritmo tirar coelho de cartola,
conseguiu, em determinado momento, transformar as condições mais adversas em sucesso.
As aventuras gastronômicas (ou melhor,
de contrabando) de Rogério Fasano deveriam ser filmadas como parte de alguma comédia-pastelão.
A cena em que ele quase foi preso por causa de algumas alcachofras ou aquela quando
passou pela alfandega com uma peça de pastrami escondida dentro de uma mala são
clássicas e deveriam ser objeto de estudo – por diversos motivos – nas faculdades
de gastronomia do Brasil.
Provavelmente, a maior contribuição
gastronômica que se pode observar em alguns dos relatos de Tô Frito! é a
inclusão de diversos ingredientes brasileiros. Tapioca, farinha de banana,
carne de sol, pão de queijo, abóbora – não há limites para a criatividade.
No terreno das relações políticas há a
descrição de diversos momentos em que o preconceito se mostra presente. Exemplar
nesse sentido são as histórias “das cachaças” (relatada por Edméa Falcão) e a
da prostituta (contado por Alex Atala). Como essas narrativas estão envoltas em
leveza, como se fossem “causos” corriqueiros, há um atenuar dos efeitos nocivos
que representam.
Claude Troisgros conta que quem trabalha
com alimentos – em algumas situações – precisa se adaptar aos mais diferentes
ingredientes. E nem todos são
comestíveis (quer dizer,...). Com bom humor ele conta duas histórias envolvendo um gato e
diversas baratas. São imprevistos que precisam ser previstos em um mundo em que
as surpresas são constantes.
Resumo do livro: Tô Frito, longe de ser um livro destinado apenas ao pessoal que trabalha na cozinha, é divertidíssimo.
E de fácil leitura.
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