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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

KAZUO ISHIGURO



Parte do mundo literário ficou surpreso com o anúncio que a Real Academia Sueca concedeu o Prêmio Nobel de Literatura 2017 para o mais britânico dos escritores japoneses, Kazuo Ishiguro. Entre os especialistas (em literatura, em bolsas de apostas), ele não era considerado como um candidato com chances reais de receber o título e, consequentemente, o dinheiro (cerca de R$ 3,5 milhões – que equivalem aos nove milhões de coroas suecas). 

 A família de Kazuo Ishiguro mudou-se para Inglaterra quando ele tinha cinco anos de idade. Por diversos motivos foram adiando a volta ao Japão e, por fim, adotaram a cidadania britânica. Ishiguro foi aluno das universidades de Kent e East Anglia (onde estudou “escrita criativa”, no curso ministrado por Malcolm Bradbury). A carreira literária iniciou com Uma Pálida Visão dos Montes, em 1982. Quatro anos depois, publicou Um Artista do Mundo Flutuante (vencedor do Whitbread Book of the Year, de 1986). Alcançou o sucesso com Vestígios do Dia, ganhador do Booker Prize, de 1989. A história de um mordomo que abdica da vida pessoal para poder servir melhor ao patrão e que, em dado momento, precisa conviver com mudanças sociais e econômicas que ele não entende ganhou adaptação cinematográfica (The Remains of the Day. Dir. James Ivory, 1993). O filme concorreu a oito Oscar, mas não recebeu nenhum. 

 Nos anos seguintes, Ishiguro publicou O Inconsolável (1995), Quando Éramos Órfãos (2000), Não Me Abandone Jamais (2005), Noturnos (2009) e O Gigante Enterrado (2015). Todos foram recebidos com algumas reservas. A guinada na direção da ficção científica em Não Me Abandone Jamais, que tem toques de “déjà vu”, pois trata de um mundo distópico onde as crianças e adolescentes são utilizados para abastecer o mercado de transplantes de órgãos, causou perplexidade no mundo literário inglês. A versão cinematográfica também não obteve grande sucesso (Never Let Me Go. Dir. Mark Romanek, 2010). 

O último livro publicado até o momento, O Gigante Enterrado, uma fantasia medieval, onde dragões se misturam com névoas do esquecimento e cavaleiros que serviram ao rei Arthur, seguiu o mesmo caminho, com resenhas bastante agressivas em virtude do tom ameno utilizado para narrar alguns momentos da identidade britânica. Para alguns críticos, o edulcoramento infantojuvenil do livro desconsidera as lutas entre anglos e saxões e a consequente violência que as caracterizou.

Evidentemente, todas essas observações se baseiam em critérios de análise literária. Para o público, muitas são irrelevantes – o leitor se satisfaz com uma trama envolvente. E poucos se interessam em discutir o estilo seco, exato, narrativamente distante que caracteriza a prosa de Kazuo Ishiguro. Simultaneamente, ninguém consegue negar a sua habilidade na carpintaria literária – e que está expressa na forma com que construiu contos e romances. Talvez seja essa a motivação que ele encontrou para abandonar o realismo tradicional e enveredar por outros gêneros narrativos (ficção científica, fantasia histórica). Enfim, Ishiguro mostra que não está preocupado em ser rotulado como um escritor de estilo definitivo. Ao contrário, quer explorar alternativas e, de certa forma, se divertir.


NOTA ADICIONAL


Kazuo Ishiguro é um dos expoentes do movimento inglês denominado World Fiction. Entre os anos 70 e 80, como consequência do pós-colonialismo, a Inglaterra abrigou muitos escritores oriundos de outras regiões do planeta. Os mais influentes escritores desse grupo são Hanif Kureish (pai paquistanês), Michel Ondaatje (nascido no Sri Lanka), Zadie Smith (mãe jamaicana), Monica Ali (nascida em Bangladesh), Salman Rushdie (de origem indiana), Doris Lessing (nascida na Pérsia), Vidiadhar Surajprasad Naipaul (nascido em Trinidad) e John Maxwell Coetzee (nascido em África do Sul). Embora muitos discordem, há quem considere que, nesse balaio de gatos, devem estar incluídos “os suspeitos de sempre”: irlandeses, galeses, escoceses, canadenses, australianos, etc.
  

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