A história do futebol brasileiro muitas
vezes se confunde com uma série de fracassos épicos (Copa do Mundo de 1950, Copa
do Mundo de 1982, Copa América de 2001, Copa do Mundo de 2016). Assim como o
“Maracanazo”, serão necessários séculos para esquecer a derrota para a Alemanha
(7 a 1). Em todos esses momentos, o ufanismo grotesco projetava o triunfo e coube
aos adversários corrigir exemplarmente a soberba. Como na famosa história de
Garrincha, faltou combinar com os russos.
Além dessas tragédias explicitas, há
outra, menor, e que tem passado despercebida pela literatura. O melhor texto de
ficção sobre o futebol brasileiro foi escrito por... um mexicano. Pois é, o
país do futebol não consegue passar do nível de um perna-de-pau quando está
jogando no campo da literatura. Isso, evidentemente, não quer dizer que o placar
esteja em branco. Claro que não. Mas,... Os gols, digo, os romances produzidos
por Márcio Américo (Meninos de Kichute, 2003), André Sant’Anna (O Paraíso é
Bem Bacana, 2006), Michel Laub (O Segundo Tempo, 2006), Marcelo Backes (O
Último Minuto, 2013) e Sergio Rodrigues (O Drible, 2013), entre outros, não
parecem ser suficientes para levar o time à primeira divisão. Um pouco mais de
categoria (golaço!) pode ser encontrado no texto de Clara Arreguy (Segunda
Divisão, 2005), que parece ser um gol de honra, desses que não modificam o
placar final. Em relação aos contos, basta lembrar a esqualidez da coletânea 22 Contista em Campo, organizada por Flávio Moreira da Costa em 2006, ou a
exceção que é Maracanã, Adeus: onze histórias de futebol, do Edilberto
Coutinho, publicado em 1986.
No Estilo de Jalisco, de Juan Pablo
Villalobos, publicado em 2014, é, na falta de palavra melhor, sensacional. Primeiro,
porque se afasta da visão trágica do jogador pobre que encontra no futebol uma
forma de avanço social e econômico. Nada contra o clichê, mas a bola também rola por outros gramados.
Segundo, o uso da linguagem coloquial, repleta de expressões que misturam o
espanhol mexicano com o carioquês resulta em um bom achado literário. O texto
fica fluído, palatável. Terceiro, permite uma visão exterior de um período
histórico pouco abordado pela literatura brasileira. Em livros de memórias políticas, como Os
Carbonários (Alfredo Sirkis, 1980) e O Que é Isso, Companheiro? (Fernando
Gabeira, 1979), há passagens sobre o ano de 1970 que são preciosidades. Ao mesmo
tempo em que sequestravam embaixadores e cônsules, eles estavam diante da televisão, torcendo pela
seleção – que foi usada para camuflar a repressão política. Coisa de doido, que
foge da racionalidade de quem pretendia combater o governo militar.
Construído como um imenso (e intenso)
bloco narrativo (apesar de estar fatiado em três partes), No Estilo de
Jalisco conta a história de Juan. Nascido em Guadalajara (capital do estado de
Jalisco), Juan viu vários dos jogos do escrete canarinho na Copa do Mundo de 1970. Ficou
impressionado e resolveu se mudar para o Brasil aos 18 anos de idade. O tempo foi
passando e ele se tornou parte da paisagem. Vários casamentos, incontáveis aventuras.
Deslumbramentos. No intervalo entre uma crise e outra, descobriu uma maneira de
ganhar dinheiro com a fama do “dream team” brasileiro de 1970. Como não podia
contar com o elenco original, imaginou uma representação teatral dos jogos – ou
melhor, das principais jogadas. Em estilo empreendedor, vendeu a ideia para um
amigo de infância, empresário do ramo de entretenimento. Dezenas de apresentações
foram marcadas em cidades do interior do México.
Essa história é contada na mesa de um
bar. Seu interlocutor, Jair, não diz uma única palavra. Como compete a um narratário, sua existência literária tem como prioridade não deixar o narrador falando sozinho.
Entre dezenas de canecas de chope e
copos de cachaça, Juan conta como foi escolhendo os jogadores, as dificuldades
que teve para convencer os atletas/atores. A melhor parte acontece durante a excursão ao México. O espetáculo
se transforma em outra coisa – que ele não consegue definir com precisão. Todo mundo ganhou dinheiro, mas,... a associação com Tigre (o amigo) foi muito diferente
daquilo que ele havia projetado.
Muitas das cenas são engraçadíssimas.
Soma de trapalhadas, de “causos”, de confusões. As histórias dos dublês dos
jogadores brasileiros e uruguaios (sim, vários uruguaios entram nesse balaio de
gatos) são inacreditáveis. Desde jogador alcoólatra até o evangélico que exige
uma “doação” ao pastor para poder jogar. Há de tudo – e mais um pouco.
Juan é um excelente contador de
histórias, que nunca perde o fio da meada, embora faça algumas divagações – em
lugar de atrapalhar o desenvolvimento da história, esses penduricalhos ajudam
na construção da atmosfera etílica em que o livro está assentado. Talvez o
único senão esteja na inacreditável lucidez de Juan nas páginas que concluem o texto
– depois de “tomar todas”, isso não parece verossímil.
Ao final de No Estilo de Jalisco, a
grande piada – a vida não fornece sossego para aqueles que querem ser mais
espertos do que os espertos. Uma bela metáfora do futebol brasileiro.
Juan Pablo Villalobos morou no Brasil
entre 2007 e 2014. Publicou em português, além de No Estilo de Jalisco (2014), Festa no Covil (2012), Se Vivêssemos em um Lugar Normal (2013) e Te Vendo
um Cachorro (2015).
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