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sexta-feira, 22 de março de 2019

ROBERTO PIVA: SETE POEMAS

Roberto Lopes Piva (25/09/1937 - 03/07/2010)



A CORÉIA É NA ESQUINA

Assim não dá meu tesão
eu começo a sonhar com você todas as tardes
& você lá em Santos
comendo amendoim
vendo anjos nas cebolas do mercado
navios entram & saem do porto polidos
eu corto as veias & rego meu queijo de Minas
você me ama eu sei & me envaideço
amoras jorram a beleza anarquista de suas
              coxas molhadas
o peixe-espada pode lhe declarar amor
eu penso nessas ilhas perfumadas
mas o caminho de volta eu só conto
a este urubu em carne viva
que grasna na sacada.






ANTINOUS
                                                                                              (movimento de árvores)

são questões
            terça-feira eu prefiro você bem
                                                           louco
            minha palavra & nada que você acredita
            poderá acontecer: ostras olhos injetados Hegel
durma com suas violetas do subúrbio
                        a cidade tosse como
                        um índio com febre
São Paulo acorda em suas coxas
                        docemente
            banho quente com vapor
                        em espiral flocos de
                        samambaias eróticas
assim que você espreguiçar eu estarei
                                                           sangrando




GANIMEDES 76

Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em teus olhinhos de
fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus de um salão
rococó
força de um corpo frágil como ancoras
gostei de você eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento & cercados de
gardênias de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios as fontes a tarde
de São Paulo como um desejo espetacular tão
dopado de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra orizzonti perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço da Paisagem




EU DARIA TUDO PRA NÃO FAZER NADA
(para o Gilberto Vasconcelos)

Lulu mandacaru garoto nordestino cabra da
peste peixeira enterrada no palmito com mel
do cometa jabá na algibeira querendo ler poesia
de Gregório de Mattos para por em prática
sem matar o irmãozinho na esquina Sul do
largo São Bento antes que a Sucuri da Tristeza
te devore cor de opala sem máscara de ver
vampiro nos planetas distantes parecido com
Pound quando criança gentiluomo dos cactos
coxas acetinadas de sereno posando para o
microfilme da ternura-unificada no presépio
onde você é adorado como um novo Nero da
caatinga serviu como lavador de pratos no
restaurante Giovanni sabendo agora ser Buda
pela manhã trapezista à tarde & batedor de
carteiras ao anoitecer.




CHOVIA NA MERDA DO TEU CORAÇÃO

Antenas de TV lambuzadas de veneno / ca-
minhões despencando dos eucaliptos / doze
picadas de sal de anfeta na manhã embolorada
da alma / você assava pulmão de abutre / par-
tia pra Pensão Estrada / eu vi a amora gote-
jante do sol depois do primeiro Purple Haze /
fazia calor na Cantareira / garotas apodre-
ciam / guinchos dentro do mato anunciavam
Alguma Coisa / Hendrix & movimento sub-
marino / Algas / flores no Cio de Metal /
Gulash & Cristais / garotos na Rural Wyllis to-
cando bongô pra lua / olho-laser estocando mi-
nhas células cervicais / flores canoras nos cantei-
ros de borrachudos / total motores / eixo des-
manchado em partículas de poeira pulveriza-
das em Sonho / Morte do pêssego pródigo /
só nós dois no coração da canção / desenhos
animados em câmara lenta no cartaz do ôni-
bus / punhais nas sessões Zig-Zags / festa
pagã da troca-troca religião da infância / Ho-
tel na plataforma espacial do Largo Paissan-
du / plantando quiabo nos jardins da praça
Clóvis / misturando as mídias / Plátanos via
satélite com folhas de amianto / Coaxando na
TV programa Antunes Filho em 63 / Ode
Marítima em ritmo de Spansule /Jorge de
Lima no Vulcão-Memória / bombordo do
Bateau Ivre / Kelene Geral congelado na
alquimia / Carnaval de Genghis Khan / vinho
branco / hora da lasanha com perfume / Wes-
ley inventando o bicho que quebrou o pesco-
ço / nos quintais tudo bem no Planeta / vou
por aí no chão de estrelas onde a borboleta
caga assassinato nuclear / Foi assim o fim sem
fim do Serafim Ponte Grande? / sem maiores /
prá lá de Bagdá & da quadra de basquete / no
azul daquela Serra onde nasceu Iracema & Os-
wald Spengler / decadência do tango argen-
tino visto na televisão ocidental / ócio & tal /
Cobra Norato graças a deus era tarado / es-
porte do fim do mundo / Cruz Credo como di-
ria Pedro II / Você ia à deriva no rio do meu
amor cabeludo / mostrando as coxas na esta-
ção como um garoto canalha / baganas aos
sóis das constelações / nos meus braços você
foi deus & puta. 
   




SARDANAPALUS

corre a língua
louca na superfície
da coxa em fogo
sua voz
sua anca trêmula
na montanha
da morte
eu & você vivemos
o relâmpago
o momento de amor
desatina
você delira
em suor & azul
metais explodem
no ar &
caem em cinzas
na folhagem
tudo respira o
prazer do mundo
corpos elétricos
se encaixam
& se amparam





LORD OF FLIES

Momentos antes você não estava aqui com seus pés de
lã & flechas do mais perfeito cacique balançando nas
ramagens das ilhas de cascalho seu espetacular olho
violeta o próprio futuro uma ursa maior que doze pra-
tos grelhados de amfíbios devastadores de lágrimas
sorridentes onde minha mão mergulha no esôfago do
fruto selvagem & te vejo nascer bem perto do cristal
mais azulado que monumental gaivota acabando de
botar o ovo da memória quando Ugo Foscolo escre-
via I Sepolcri & a poesia italiana recebeu seu tempero
mais terrível bem agora nesta tarefa de refazer a po-
lítica amorosa através das copulações astrais onde a
violeta o jasmim a tulipa o narciso são minhas mãos
em tua cintura enquanto inventas as ramificações do
beijo que vai eletrificar as cidades os caramujos santos
como jovens Budas de cinza percorrendo a pé a IV
Internacional teu cu mais belo que o morango silvestre
tua garganta que espero um dia apanhar numa arma-
dilha de esperma no eclipse das avenidas velozes como
cobras verdes & o legume do céu desfolha seus tons
de escarola para teus olhos ficarem profundos & teu
amor não ter fim como as construções lendárias bichos
falantes de Raymond Lulle a árvore da sabedoria entre
amante & amigo escorpião apertado no peito até o
veneno virar canção




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