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quarta-feira, 27 de março de 2019

TRINTA E CINCO CITAÇÕES LITERÁRIAS (I)


Susan Sontag (1933 - 2004)
Um baleeiro foi para mim Yale e Harvard. (Herman Melville: O Vigarista)

Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor. (Samuel Beckett: Nohow On)

Às vezes estamos envolvidos demais em nossa própria história e não percebemos que somos personagens coadjuvantes na história dos outros. (Nathan Hill: Nix)

O outro, mesmo quando não se trata de um inimigo, só é visto como alguém para ser visto, e não como alguém (como nós) que também vê. (Susan Sontag: Diante da Dor dos Outros)

(...) não era o primeiro que mandava uma mulher na frente, para trazer-lhe prisioneiros atados com flores. (Julio Cortázar: As Babas do Diabo). 

Não é de todo mal ter antepassados criminosos. Um avô incendiário pode deixar, de herança, um bom nariz para fumaça. (Ursula K. Le Guin: A Mão Esquerda da Escuridão)  

Ursula Kroeber Le Guin (1929 - 2018)
(...) a vida de todo rapaz de boa situação financeira se parece com a de uma perdiz numa caçada. (Francis Scott Fitzgerald: Bernice Corta o Cabelo)

A idade ensinou−lhe a pintar amores−perfeitos de péssima qualidade. (Inês Pedrosa: A Instrução dos Amantes)

Aprendam isso, minha gente boa e decente. Um ano eleitoral começa assim que o primeiro tiro é disparado. (Marlon James: Breve História de Sete Assassinatos)

Um dia, quando Rosemary Savage Samarco estava para morrer (pela quinta vez, de um total de dez), confiou à sua filha, Celeste Boyle: – Juro por Deus, o único prazer que tive na vida foi o de encher o saco de seu pai. (Dennis Lehane: Sobre Meninos e Lobos)

Se a minha presença a incomoda, senhora, não preciso que mo diga, e acto contínuo sai-se pela porta fora, sem olhar para trás, olhar para trás é risco tremendo, pode a pessoa transformar-se em sal e ficar ali à mercê da primeira chuva. (José Saramago: O Homem Duplicado)

(...) em toda refeição, contudo, chega a inevitável hora da conversa e do olhar ou da briga. Uma refeição nunca pode terminar num silencio indiferente, a não ser que um dos comensais esteja morto. (Manuel Vásques Montalbán: O Labirinto Grego)

Inês Pedrosa
Desejei duas coisas – uma dose de Bourbon e sabedoria para ter feito tudo de modo diferente. Mas estava no lugar errado para uma, e era tarde demais para a outra. (John Dunning: Impressões e Provas)

A imprudência ou o azar não devem esperar ser salvos pelo altruísmo alheio. (Miguel Sousa Tavares: Não te Deixarei Morrer, David Crockett)

O escritor não entendia por que ela estava contando tudo isso, como se não soubesse – e talvez não soubesse mesmo. Embora naquele tempo já quisesse ser escritor, e um escritor deveria sabê-lo – que é desse jeito que as pessoas se conhecem, contando coisas que não se contam, despejando palavras alegremente, irresponsavelmente, até chegar a territórios perigosos, a lugares em que as palavras precisam do verniz do silêncio. (Alejandro Zambra: Tentar Lembrar)

– Não devia ter feito isso, advertiu a mulher, como que despertando de profunda cisma.
– O quê?
– Voltar ao lugar das primeiras ilusões. (Aníbal Machado: Viagem aos seios de Duília)

De vez em quando alguma palavra se perdia, mas eu a completava imediatamente: em toda conversa sempre há algo para adivinhar. (Pablo de Santis: Os Antiquários)

Hanif Kureishi
Foi então que a vi sem tê-la olhado, sem realmente tê-la olhado, sem sequer dirigir meu olhar para ela, e vi que era loira, loira de verdade, embora parecesse pequena, mas mesmo sem medi-la soube que era feita sob medida para mim. (Guillermo Cabrera Infante: Corpos Divinos)

– Peraí, não precisa ir embora, já já tô voltando pra minha mesa, pro meu cantinho, você está achando que eu sou um marginal, né? E conheço muito bem esse nariz empinado. Qual nariz? Ah, meu amigo, provavelmente não tá ciente, mas esse nariz é o gesto favorito da elite brasileira, eu conheço muito bem, sim señor. Só porque tô pinga numa quinta-feira nesse horário e tô com essa roupa imunda e tô cheirando a ralo você acha que sou um marginal? Que horas são? Cinco e meia? Você acha que sou um marginal só por estar bêbado às cinco e meia duma quinta-feira? Você nunca esteve bêbado num horário assim? Numa quinta-feira? É como falou o cara das barbas, lembra? Quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra. Você deve estar achando que eu sou um desses caras que aparecem nas histórias escandalosas da TV, o coitado que era um executivo de grande sucesso e virou marginal porque a mulher e os filhos morreram assassinados num arrastão ou porque ficou apaixonado por uma pistoleira ou porque virou corno e logo, logo logo, marginal. Não, amigo, essas histórias acabam com o sujeito virando travesti ou escritor boêmio. Se eu contasse minha história você não ia nem acreditar. Obrigado, amigão. Impressionante a velocidade pra servir um chope, né, o bicho só demorou uma década. (Juan Pablo Villalobos: No Estilo de Jalisco)

E, na medida em que as pessoas insistem em diferenciar arte e vida, é melhor que julguem sua obra boa e sua vida ruim do que vice-versa. O mais provável, claro, é que ninguém se importe com nenhuma delas. (Joseph Brodsky: Sobre o Exílio)

Guillermo Cabrera Infante (1929 - 2005)
Engraçado como a memória falha e à medida que vamos escrevendo ela vai surgindo, como ossos que estão soterrados em cova rasa e que são descobertos pela chuva. (Eliana Alves Cruz: O Crime do Cais de Valongo). 

Uma vez Margot me dissera: – Quando você pensa ou sente alguma coisa importante, você escreve em vez de falar. Eu adoraria que chovesse no seu computador! (Hanif Kureishi: O Corpo e outras histórias)

(...) o general, abria gavetas e armários com o objetivo de não encontrar nada, mas para conseguir uma desculpa para perambular de sala em sala. Na década de 1950, havia nos palcos londrinos muitas peças nas quais os personagens faziam frequentes entradas e saídas através de várias portas, e eram vistos novamente no segundo ato, três horas depois. O general se encaixaria bem numa dessas peças. Ele circulava muito atento entre as bebidas, sorrindo experimentalmente, à espera de que logo precisassem dele, mesmo que por apenas por alguns momentos, pois abrir champanha não era tarefa para mulheres. (Penélope Fitzferald: A Livraria)

Uma família era uma arapuca para quem estava nela, um tédio para quem estava fora dela. (Jonathan Franzen: Tremor)

Julio Florencio Cortázar (1914 - 1984)
Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. (Walter Benjamin: Infância em Berlim por volta de 1900).

A experiência acumulada sempre altera a percepção do passado. (Siri Hustvedt: O Mundo em Chamas)


Anne Desbaresdes esperou um minuto, depois tentou levantar-se da cadeira. Conseguiu, ficou em pé. Chauvin não olhava para ela. Os homens continuavam a evitar olhar para aquela mulher adúltera. Ela ficou de pé.
– Eu queria que você estivesse morta – disse Chauvin.
– Eu estou morta – disse Anne Desbaresdes.
Anne Desbaresdes contornou a cadeira de modo a não precisar fazer o gesto de tornar a sentar-se. Depois, deu um passo para trás e virou-se de costas. A mão de Chauvin ergueu-se no ar e tornou a cair sobre a mesa. Mas ela não viu, ele já havia deixado seu campo de visão. (Marguerite Duras: Moderato Cantabile)

Onde há nostalgia há amnésia. (Martin Cruz Smith: O Fantasma de Stalin)

Nathan Hill
Curiosas essas lacunas com que nos deparamos quando esquadrinhamos com uma insistência excessiva a tessitura do passado, já atacada pelas traças. (John Banville: Luz Antiga)

Claro que não perderá tempo a responder-lhe que é impossível não ter inimigos, que os inimigos não nascem da nossa vontade de os ter, mas do irresistível desejo que têm eles de nos terem a nós. (José Saramago: O Homem Duplicado)  

Por que vir a Paris, quando se quer ser uma margarida no campo? (Katherine Mansfield: Feuille d’Album).

– Atanas, eu gostaria que você fosse sério. Uma vez na vida.
– Pensei que fizesse parte das coisas, Vera.
– Parte de quê?
– Da liberdade. Liberdade de não ser sério. Jamais de novo, jamais, jamais, se não corresponder à sua vontade. Não será um direito meu ser frívolo pelo resto da vida, se é isso que eu quero?
– Atanas, você já era tão frívolo quanto agora antes das mudanças.
– Mas na época era um comportamento antissocial. Vandalismo. Agora é meu direito constitucional. (Julian Barnes: O Porco-espinho).

Karl Ove Knausgard
O mesmo carro estava estacionado perto da estrada, o mesmo homem abriu a porta quando bati. Ele me reconheceu, meneou a cabeça, abriu a porta da sala onde estivéramos na véspera, sem entrar, e eu me vi novamente diante de papai. Dessa vez estava preparado para o que me esperava, e seu corpo, a pele devia ter escurecido ainda mais com o passar de mais de vinte e quatro horas, não despertou nenhuma das sensações que tinham me invadido na véspera. Agora eu via somente a ausência da vida. E já não havia diferença entre aquilo que um dia fora meu pai e a mesa onde ele jazia, ou o chão onde estava a mesa, ou a tomada na parede embaixo da janela, ou o fio que ia até a luminária ao lado dele. Pois os seres humanos são apenas formas em meio a outras formas, as quais o mundo não cessa de reproduzir, não só aquilo que tem vida, mas também aquilo que não tem, desenhando na areia, na pedra e na água. E a morte, que eu sempre considerara a maior dimensão da vida, escura, imperiosa, não era mais do que um cano que vaza, um galho que se quebra ao vento, um casaco que escorrega do cabide e cai no chão. (Karl Ove Knausgard: A Morte do Pai).    

Walter Benjamin (1892 - 1940)
– Ah, entendi. Vai ser um livro de seiscentas páginas que apenas dez pessoas vão ler. Parabéns. (Nathan Hill: Nix)

Tu grava uma música, mas não um hit, porque mesmo naquela época era uma música bonita demais pra favela, onde todo mundo já abandonou a ilusão de que a beleza pode facilitar a vida de alguém. (Marlon James: Breve História de Sete Assassinatos)



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