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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O QUE A GENTE NÃO FAZ PARA VENDER UM LIVRO?

 


Anúncio nas redes sociais. Título estranho, editora desconhecida (Sempiterno), autor idem. Pesquisa básica nos sites de busca pouco revelou sobre. Alguns livros, independente da qualidade, parecem destinados à escuridão total. Seja por culpa do marketing maciço das grandes editoras, seja porque a velocidade da modernidade impede que se tenha um mínimo de reflexão sobre o que merece atenção ou não.

Foi nas redes sociais, em um desses posts que parecem destinados ao rolar rápido da tela (a novidades é mais importante que o conteúdo), que o encontrei. Depois de contato básico com o escritor, compra realizada. Demorou, mas chegou. 

Li em doses homeopáticas. Um texto aqui; outro, vários dias depois. Não é literatura que demande urgências, melhor ir devagar, alguns contos/crônicas precisam ser acompanhados pelo tempo de maturação. Muitas vezes o humor está escondido nas entrelinhas.  

O livro parece ter sido escrito em celular: ausência de capitulares, frases curtas, diálogos – essa proposta oferece um dinamismo textual significativo. O projeto gráfico de Iris Gonçalves aproveitou essa característica na diagramação das páginas – valorizada pelas ilustrações de Fernanda Bienhachewski. Ficou bonito.

Salvo engano, o autor parece ter bebido na fonte surrealista, escrita automática, jorro de palavras e emoções, a técnica literária de não ter técnica literária, o texto sem compromisso de ser certinho, sem deixar pontas soltas, importante é tentar capturar o momento com palavras, mesmo sabendo o quanto isso é infrutífero, a árvore da vida oferece sabores fugidios. A Geração Beat também tem a sua parcela de culpa na elaboração textual, as braçadas fortes de quem quer nadar na contracorrente, fôlego dobrado para não se deixar levar pela força das águas.    

Não há um único personagem “certinho”, nos moldes construídos pela civilização burguesa acidental. Entre santos e pecadores, Vitor Miranda optou por histórias em que prostitutas, traficantes e marginais variados se irmanam na violência. É nas franjas dos centros urbanos (São Paulo, no caso), misturando humor ácido e amor fraturado, que o bisturi literário rasga a cidade e mostra as suas fraturas. Seria divertido se não fosse trágico – ou o contrário.

A literatura está repleta de exemplos em que a tragédia se conserta nas últimas páginas e a visão romântica dos finais felizes se estabelece. São textos equivocados, mas que agradam o público leitor.  O cotidiano se mostra diferente daquele que é retratado nos comerciais de margarina. Significativamente, é com esse estranhamento (a vida como unidade frágil, pulsante, contraditória) que Vitor Miranda quer mostrar que algumas peças do quebra-cabeça não se encaixam no jogo.

Na narrativa homônima ao título do livro, a descrição selvagem do que significa lutar para que o livro encontre os seus leitores. O tráfico emocional está tão embrenhado no cotidiano que somente o humor ácido, sarcástico, é capaz de proporcionar algum alívio à opressão. Em uma sociedade em que o dinheiro estabelece as diretrizes básicas de sobrevivência, o livro se confunde com o escritor, tudo é mercadoria, basta fixar preço. O corpo (do indivíduo, do livro) não se reconhece como valor de uso e se transforma em valor de troca.

Assim, entre tropeços e (des)graças, as narrativas de Vitor Miranda injetam um pouco de realidade na vida do leitor. Ao mesmo tempo, antídoto contra a loucura, há que se rir um pouco de tudo.

 


 

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