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terça-feira, 13 de setembro de 2022

O QUE SE FOI

 


As cidades estão em transformação. Isso não é ruim (há controvérsias). Ao contrário, mostra que o desenvolvimento (seja lá o que isso for) urbano não estacionou no tempo. Todos os dias abrem e fecham casas comerciais, edifícios substituem as casas antigas, livrarias desaparecem, cinemas se transformam em templos religiosos, as classes média e rica se escondem nos shoppings, os pontos de referência mudam, as surpresas se tornam constantes. A paisagem urbana – organismo vivo – está em constante mutação.

No entanto, as pessoas mais velhas, perdão, aqueles que possuem mais experiência social, encontram dificuldades em aceitar a avalanche de novidades. Esforçam-se para negar a realidade e se ocupam em glorificar o tempo que passou. Não entendem a simplicidade enganosa que acompanha o passado. O discurso de que o mundo era menos perigoso ou menos complicado elabora uma sociedade ideal, constituída pelo bem-estar coletivo e pela felicidade. Algo que não pode ser comprovado, porque baseado em memórias afetivas e não em fatos. 

Tornou-se comum ouvir algumas conversas no tempo pretérito, algo similar ao no tempo da Varig e das Casas Buri tudo era diferente.  Não era, mas (na imaginação) parecia diferente. A nostalgia e a saudade fornecem luz para as recordações que estavam soterradas na escuridão. O passado ressuscita – mas sem materialidade, sem substância, sem estar presente no presente.  

Esse escudo contra o deslocamento nega o estranhamento (momento em que as certezas são abaladas) e resulta na alienação e, ao mesmo tempo, no conforto (porque não precisa estar atento aos problemas que acompanham a realidade).

Não adiante tentar explicar que não é possível comparar dois momentos históricos, pois cada um deles possui características muito particulares e que qualquer confronto equivale ao multiplicar dos equívocos. Tentar entender como ocorreram essas mudanças (e de que forma é possível se adaptar às transformações) talvez represente a procura pela lucidez. Mas, evidentemente, esse processo causa angústia – elevando o consumo de ansiolíticos.

A vida é a mesma de outrora, mas a festa possui outro andamento. É preciso se adaptar aos acontecimentos. Não dá para querer continuar dançando valsa enquanto o funk proibidão está assustando os vizinhos. Isso é só um exemplo. Com o passar do tempo muitas coisas vão adquirindo novos formatos, cores, perfumes.  

O que hoje se mostra como novidade, amanhã perderá o caráter de inovação. E será substituído por outra coisa – mas que talvez não seja muito distinta do que existe ou existiu (tudo mudar para que nada mude, ensina um romance clássico). A existência humana seguirá nesse ritmo, sempre tentando alcançar o horizonte – que se distancia na mesma velocidade.      

As cidades são outras, embora sejam as mesmas.        

 

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