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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

A CIDADE E OS SEUS ESPAÇOS VAZIOS




A decomposição arquitetônica da cidade ocorre todos os dias. Pontos de referência somem. Árvores continuam sendo cortadas. Ruas e avenidas surgem e desaparecem com rapidez. Todos os dias, demolição. 

O novo sempre vence. A nossa herança são os escombros – que raramente são recicláveis. Através dos espaços vazios que são abertos no cenário urbano, o progresso (insaciável) avança – sem compromissos com o passado, sem interesse no inventário das perdas. 

O mercadinho de bairro, onde comprávamos “de caderneta”, agora é um prédio de vários andares. As livrarias deixaram de existir e, em seu lugar, inauguraram lojas que vendem mercadorias que ninguém quer adquirir. Os cinemas foram substituídos por templos religiosos. As farmácias se multiplicaram. As bancas de revistas oferecem milhares de produtos, exceto revistas e jornais. Os supermercados ignoram as fronteiras nacionais e anunciam produtos de todas as partes do mundo. O mundo “gourmet” invadiu a vida de todos.

Esses empreendimentos, seguindo a ordem geral das coisas, possuem vida efêmera – existem no intervalo temporal entre duas crises econômicas. Nada é permanente – exceto a memória, esse lapso melancólico de quem se apega ao passado e, teimosamente, recusa se adaptar ao presente.  

A selvageria se tornou norma, ou melhor, normal. Seguindo a cartilha dos novos bárbaros, não existe interesse nas histórias que deixaram de serem contadas, nas pessoas que são expulsas diariamente dos locais onde depositaram as raízes familiares, no patrimônio cultural que vai sendo soterrado lentamente, nos deuses domésticos que foram abandonados. Tudo é mutável, porque o escambo silencioso tomou conta da paisagem e a transformou em mercadoria.

Os espaços vazios de afeto dominam a existência urbana. Os sentimentos não possuem valor comercial, não possibilitam lucro ou acumulação. O mesmo se pode dizer das praças, desses locais onde as pessoas param para descansar ou apenas respirar o ar da cidade onde moram. As praças são lugares onde o choque e a resistência se encontram, separando a inocência e a brutalidade de um mundo em transformação.

Os profetas do apocalipse detestam as praças e afirmam que a imobilidade está na contramão do empreendimento. Discursam no púlpito mercantil que o canto das sereias deve ser entendido como um mantra religioso – as divindades monetárias acima de todas as coisas. Por isso, multiplicam as vias expressas, os carros velozes e furiosos, e elegem a rapidez como sinônimo de trabalho. Em nenhum momento conseguem perceber que esse tipo de ação está envolto na tristeza.  

Não há o mínimo sentido em acreditar que a tristeza é o preço que devemos pagar pelo amor. A cidade precisa de alegria, de luz, de parques, de esperanças, de políticas sociais, de moradias para todos. A cidade precisa de pessoas que gostem dela e que estejam distantes dos vendilhões do templo. Ninguém pode impedir as mudanças, mas o futuro não precisa estar ligado aos que fazem da ambição uma profissão de fé.

Viver em sociedade difere de estar preocupado com o preenchimento dos espaços. É algo diferente. É se sentir acolhido pela beleza, ampliar o horizonte, impedir o isolamento. É desconfiar das certezas e acreditar no humano. É ver o mundo com os olhos da poesia.       




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