A fábrica (e suas instalações, que se parecem com um imenso shopping center) é uma prisão sem grades – ninguém está impedido de ir e vir, mas algum tipo de atração impede que os funcionários se distanciem. Oferece emprego para o resto da vida, embora não seja possível saber o que é produzido pelo complexo industrial.
Situada em uma região imensa, um rio atravessa as instalações e, logo depois, desemboca no mar. Na região próxima da ponte existem muitas aves e incontáveis roedores (nutrias, também conhecidos como ratões-do-banhado) – são parte da paisagem. Ninguém fica perturbado com a presença desses animais, ninguém adota alguma ação para afastá-los das proximidades da fábrica.
No entendimento de todos os funcionários a rotina garante o bom funcionamento da empresa. Ninguém se queixa do cansaço, ninguém fica estressado. É o contrário, a leveza predomina. Todos parecem estar anestesiados, sem qualquer vontade de romper com a inércia. O único que mostra alguma inquietação com essa tranquilidade é o biólogo Yoshio Furufue (que deveria implantar um sistema paisagístico nas sacadas, mas que, com o passar do tempo, somente se ocupa em catalogar musgos e coordenar visitas estudantis à fábrica). Um idoso e seu neto (Hikaru Samukawa) despertaram nele a sensação de que algo não estava bem encaixado na situação. Mas, essa impressão vai se dissolvendo na medida em que o tempo vai passando. Ficou empregado da fábrica por quinze anos.
Os irmãos Ushiyama trabalham em diferentes setores ligados à produção e destruição gráfica. Ele faz revisão e correções em documentos; ela trabalha com uma trituradora de documentos. Eles nunca conversam dentro da fábrica. Parecem desconhecer um ao outro (mesmo na ocasião em que Yoshiko percebe que o irmão também está trabalhando na fábrica). É um dos vários momentos de estranhamento. No entanto, os dois se encontram em casa ou em um restaurante. A namorada do irmão, funcionária de uma agência de colocação de pessoal terceirizado, aparece rapidamente na narrativa e não desperta a simpatia de Yoshiko: o ódio que até agora eu evitara sentir por ela de súbito aflorou. Esse é um dos instantes raros em que os sentimentos adquirem algum relevo.
O romance A fábrica, de Hiroko Oyamada (Editora Todavia, 2025. Tradução de Jefferson José Teixeira), está estruturado no realismo e, quase imperceptivelmente, desliza para o fantástico. Para que esse estratagema funcione, nada se mostra fora da ordem. Um dos mecanismos utilizados para distrair a atenção do leitor está na forma narrativa. O narrador se divide a cada capítulo: entre a primeira e a terceira pessoa há um ajuste para que cada um dos três protagonistas ofereça depoimentos pessoais sobre o trabalho. São os eventos cotidianos e suas variações que ocupam a parte central do romance. Raras são as cenas que relatam algo fora do ambiente de trabalho. É como se os personagens não conseguissem romper as paredes que separam a fábrica do mundo exterior.
No
momento em que o trivial parece predominar, o fantástico aparece de uma maneira
muito particular e fornece sentido para uma narrativa que tem traços
kafkanianos: seja pelo insólito, seja pelo desfecho.
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Hiroko Oyamada |
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