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sexta-feira, 25 de abril de 2025

ESTE POST PRECISOU SER REMOVIDO

 


Alguns livros não devem ser lidos em lugares públicos. As fortes emoções que transmitem exigem acolhimento e reflexão. E isso raramente pode ser exercido quando os ruídos do mundo contribuem com o ensurdecimento em algumas questões básicas. O romance Esse post precisou ser removido (Editora Rua do Sabão, 2022. Tradução: Daniel Dago), escrito pela neerlandesa Hanna Bervoets, está nessa categoria.

Kayleigh é funcionária da Hexa, uma empresa terceirizada que monitora redes sociais. Nesse trabalho, o dia a dia está revestido de massacres visuais. Ela e os seus colegas precisam decidir quais vídeos devem ser excluídos e quais podem permanecer. Raros são os momentos em que precisam tomar alguma decisão sobre gatos fofinhos tocando piano. O usual é encontrar incontáveis exemplos da crueldade humana (mutilação, agressão física e psicológica, suicídio). Estar em contato com esse ambiente insalubre gera muitas complicações, inclusive porque as regras de remoção dos vídeos nem sempre são objetivas.

Ao final de cada turno de trabalho, o estresse, o esgotamento mental, a confusão e os desentendimentos atingem níveis perigosos. Para evitar que aconteça qualquer desgraça, muitos funcionários optam por usar algum tipo de anestésico. O usual é se reunirem em algum bar e se entorpecerem com álcool, maconha ou algum outro aditivo. Mas, não é só isso. Kayleigh percebe (ignorando o que causa esse comportamento) que vários colegas de trabalho estão trilhando caminhos políticos complicados. O terraplanismo, a negação do Holocausto e as doutrinas fascistas surgem nas conversas e acrescentam novos elementos no cardápio de incoerências. As imagens reais se mostram tão abusivas quando as imagens virtuais.  

Depois que Kayleigh abandonou a empresa, um advogado, Stitic, entra em contato solicitando que ela deponha em processo que está sendo preparado contra a Hexa. Muitos dos ex-colegas de trabalho estão com depressão, paranoia e outras doenças emocionais. A possibilidade de reencontrar essas pessoas faz com que ela recuse o pedido. Diante da insistência de Stitic, Kayleigh prefere enviar por escrito um longo monólogo, onde descreve o tempo em que trabalhou monitorando vídeos.

Nessa conversa em que somente uma voz se pronuncia (Stitic atua passivamente – ele é o elemento que desencadeia o exercício verborrágico), a descrição das atrocidades que Kayleigh viu diante das telas evidenciam que qualquer pessoa com um pouco de sensibilidade não poderia continuar por muito tempo naquele emprego tóxico.  

Para complicar ainda mais, Kayleigh menciona diversos episódios de sua tumultuada vida sexual com Sigrid, uma colega de trabalho. As duas mulheres são muito diferentes e discordam em dezenas de questões, inclusive nos assuntos íntimos. Desentendimentos, brigas, esgotamento nervoso, apatia sexual – a vida pessoal como reflexo da destruição afetiva.   

Aflitivo, Esse post precisou ser removido não é um livro de leitura fácil – e tem apenas 125 páginas. No entanto, revela, através da literatura, uma das faces mais complicadas do capitalismo predatório, sendo que poucos leitores possuem maturidade para tentar entender os acontecimentos narrados. A revolução tecnológica e as redes sociais introduziram na vida dos usuários uma série de elementos sem a mínima importância, mas que causam dependência psíquica. Enquanto alguns indivíduos são escravizados pelas imagens, outros se encarregam de produzir conteúdos capazes de satisfazer as mais estranhas fantasias. O horror retroalimenta os dois lados.       

 

Hanna Bervoets


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