O romance policial é um gênero literário repleto de clichês. Diante de uma morte violenta – quase sempre –, um policial ou um detetive particular resolve investigar e descobrir quem cometeu o crime, em que situação e porque o fez. O que diferencia um escritor de outro é a forma que adota na condução narrativa, além da capacidade de criar personagens diferenciados. Enfim, todas as histórias são a mesma história, embora contadas de forma diferente.
Keniche Sayama e Hideko Kuwayama (conhecida, no restaurante em que trabalhava, como Otoki) são encontrados mortos na praia de Kashii, na baia de Hakata (ilha de Kyushu, sul do Japão). A polícia, após a investigação preliminar, declara que foi um suicídio amoroso duplo: beberam suco misturado com cianeto.
Jutaro Torigai é desleixado (se veste mal, a barba está por fazer e não tem muita paciência com a vida familiar). O que o destaca dos demais policiais é a percepção de ver detalhes que aos olhos dos outros parecem não ter a mínima importância. O recibo de uma refeição no vagão-restaurante do trem, encontrado no bolso do homem morto, por exemplo.
Essa é a trama inicial de O Expresso de Tóquio, de Seichō Matsumoto (Editora Todavia, 2025. Tradução de Jefferson José Teixeira). E que adquire novo contorno quando o inspetor assistente da Segunda Divisão de Investigação da Polícia Metropolitana de Tóquio Kiichi Mihara entra em cena. Ele está procurando provas em um processo de corrupção no local de trabalho de Sayama: (...) desde o outono passado ocorre um escândalo que tem como centro certo ministério. Inúmeras empresas fornecedoras parecem estar envolvidas.
Nesse ponto, o narrador deixa Torigai de lado e se concentra na investigação conduzida por Mihara. Persistente, o inspetor deseja provar que Sayama colaborou em um caso de advocacia administrativa (favorecer interesse privado contrário às diretrizes da administração pública). Essa possibilidade se mostra, a cada instante, difícil de ser demonstrada. Os fatos apontam na direção contrária – há explicações para tudo e nenhum espaço para a dúvida. Como a perfeição não combina com a vida real, é exatamente por isso que as suspeitas continuam existindo.
São os pequenos detalhes que importam. Sendo que o mais relevante é o horário dos trens. Em uma sociedade em que o deslocamento das pessoas privilegia o transporte coletivo, a pontualidade foi determinante para o sucesso do crime que está sendo investigado. A geografia também se faz presente nos diversos lugares em que a narrativa se situa: Tóquio, Fukuoka, Kamakura, Sapporo. Nesses locais os personagens interagem e costuram a trama com as cores do mistério.
Nas cenas finais (em forma epistolar), a revelação. Mas, antes disso é necessário juntar as peças do quebra-cabeça, perceber que houve todo um trabalho de precisão para que o assassinato duplo fosse executado.
O Expresso de Tóquio (no original Ten to Sen) foi publicado no Japão em 1958. Em 1970 foi renomeado como Pontos e Linhas. Com exceção de alguns detalhes ínfimos, somente perceptíveis por quem possui algum conhecimento da cultura japonesa, o livro continua atual. Existe uma versão cinematográfica, dirigida por Tsuneo Kobayashi, em 1958.
P.S:
alguns leitores podem ter problemas com os nomes dos personagens e das cidades.
Obviamente, isso é irrelevante.
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| Seicho Matsumoto, pseudônimo de Kiyoharu Matsumoto (1909-1992). |


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