A publicação de Toda Poesia, livro que
reúne (até prova em contrário) todos os poemas de Paulo Leminski, reacendeu as
holofotes sobre um dos mais impressionantes personagens da história da
literatura brasileira.
O espírito ambulante da contracultura (segundo definição de Luiz Carlos Maciel) foi um homem inquieto, menino
prodígio, judoca, músico sofrível, barulhento professor de literatura e
história em cursinho pré-vestibular, monge zen-budista, eternamente sem dinheiro,
indivíduo difícil de ser definido - dividindo a vida entre a poesia e as drogas,
a incontornável vontade de agitar os macaquinhos do sótão.
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até
que depois
de
mim
de
nós
de
tudo
não
reste mais
que o charme
A suavidade dialética do haicai: fruta
agridoce que destrói o convencional ao revelar sabor surpreendente no terceiro
verso. A irreverência do prazer, como recomendava o senhor Bananeira, mestre
que subverteu certezas, comportamentos, miragens. Perder tempo com quimeras
desabonadoras equivale ao desperdício da vida.
para
fazer uma teia
a
aranha cobra pouco
apenas
um mosquito
Entre o alfabeto e a zetética, entre gregos e latinos,
dialogando com Petrônio e Beckett, Leminski sempre esteve atento ao
arrebatamento amoroso e às mulheres. Mesmo quando se envolveu em romances
complicados, fez pouco caso de cenas românticas ou dos oásis de sedução: o pecado não
é original: aliciamento: o intimo e o ínfimo alimentando tensão e tesão:
excitação: toda a questão se concentrava em saber errar o alvo – como o
arqueiro zen – com a máxima precisão (como escreveu o José Miguel Wisnik).
ARTE DO CHÁ
ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silencio
comigo
ele
veio
meio
a esmo
praticamente
não disse nada
e ficou por isso mesmo
Oscilações do existir. As coisas que sentimos e não compartilhamos. As
artimanhas da ideologia. O instante em que a lâmina da espada corta o ar,
colocando em xeque a transitoriedade da vida ou estabelecendo o horizonte
poético prometido para muitos e encontrado em poucos. A honra do samurai, a
suave continuação do caminho sem fim.
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
Catatau. Provocações joyceanas, velozes
insights. A poesia concreta esticada no varal da prosa, secando palavras-valises,
valises cheias de palavras, basta retirá-las do esquecimento e pendurá-las ao
sol, ao vento, fluem o saber e o sabor com a mesma intensidade de uma folha que
cai da árvore, o chão se aproximando lentamente. Revelação.
Revolução. A insanidade da poesia e a implosão da prosa. Explosão de sons e
fonemas. Música urbana, delírio. Laser e satori.
o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique
Agora que São Elas. Mistura fina de
paródias, citações, ironias, sarcasmos. A norma culta miscigenada com o
coloquial. Palavrão e amenidades. Túnel que une a Casa Grande com a Senzala. Tramas. Ramas. Ramos. Folhagem. Floresta. Labirintos. Minotauros. Significados ocultos.
Significantes explícitos. Insignificantes e irrelevantes - como qualquer coisa que não sejam versos. (...) cair de pé e sair correndo
como um alucinado desses lugares perigosos que o acaso coloca no nosso caminho. Nada pode ser sem ser nada. Ou tudo. Ex-tudo. Estudo.
dia
daí-me
a sabedoria de caetano
nunca ler jornais
a loucura de glauber
ter sempre uma cabeça cortada a mais
a fúria de décio
nunca fazer versinhos normais
As Parcas cortaram o cordão que unia a vida de Paulo
Leminski Filho com o mundo. A vida iniciada em 24 de agosto de 1944 encerrou-se em 07 de junho de 1989. Cirrose hepática. Parada cardíaca. Encarar o fim como sinônimo do início.
Concordo, Newton!
ResponderExcluirraul, o rodrigo garcia lopes, nosso amigo, foi quem buscou o lema em casa e o levou pro hospital. na ida, o lema soltou uma dele. o rod avisou a galera, que foi se amontoando num boteco próximo, todos já sabendo da gravidade do caso. o rod disse que o lema tinha dito um lance no trajeto mas que só ia contar em jornal ou em livro. a galera se enfureceu e parece que o rod levou um pialo na orelha. daí soltou. rod disse: guenta, lema. cê vai sair dessa. e o lema: nada, rod. agora vou dar um abraço do gaiteiro. até no fim esse cachorro louco filho da puta tinha humor. putaquipariu! parabéns pelo texto. amprex do vini
ResponderExcluirGrande poeta. Tive a sorte de conhecer sua poesia através das suas aulas, Prof.: Raul. Um abraço amigo.
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