Poucos romances brasileiros se preocuparam em retratar as dificuldades do imigrante. O discurso oficial de que somos um povo cordial (embora formado por três raças tristes) costuma encobrir o preconceito, as diferenças culturais e a forma predatória com que foram tratados todos aqueles que, por diversos motivos, precisaram abandonar seus países de origem para viver na idolatrada salve salve.
Um dessas exceções, Nihonjin, escrito
por Oscar Nakasato, restaura parte da história dos japoneses no Brasil. Cada
capítulo do romance acrescenta uma camada de informações ao conflito do
desenraizamento. As lembranças familiares – diante dos olhos do leitor – fluem com
ternura, embora, em diversos momentos, misturem alegrias e encanto, sofrimento
e perdas.
O narrador, Noburu, um dos netos de
Hideo Inabata, com a simplicidade de quem respira, toma para si a tarefa de recuperar parte
das ruínas familiares. Começa explicando as razões da imigração de seu avô, no
início do século XX. Depois, descreve as dificuldades de adaptação em um país
estranho, a morte da primeira esposa do Ojiichan, o segundo casamento, o
esfarelamento do sonho de voltar ao Japão. São os filhos do patriarca (Hanashiro,
Hitoshi, Haruo, Sumie, Hiroshi e Emi) que acenam para o caminho que surge no horizonte.
Ao escolher entre a identidade cultural dos antepassados e o futuro proposto
pela modernidade percebem que é impossível escapar incólume ao sistema
repressivo imposto pela tradição histórica.
Nesse momento de transição geracional,
onde o mundo rural dos avós entra em conflito com o mundo urbano dos netos, surge
em cena o personagem mais carismático de toda a narrativa. Inquieto desde
criança, sempre colocando em xeque os hábitos culturais que impediam a
integração com os brasileiros, Haruo conseguia irritar o seu pai – um homem silencioso,
que internalizava os sentimentos ao ponto de dizer que as palavras não foram
inventadas para serem desperdiçadas. Defensor da ideia que o trabalho e a
determinação forjam o caráter, Hideo exigia obediência cega dos filhos. Por
isso, ao tomar conhecimento que Haruo cometeu uma falta grave, decide corrigir
a indisciplina do filho com um kinshin. O menino deveria passar uma semana fora
de casa, com apenas a roupa do corpo e um par de sandálias. Diante da
adversidade, o infrator deve aprender a lição de que as comodidades da vida
doméstica compensam a submissão ao poder paterna. Como era impossível reverter a
punição, Haruo procurou auxílio com um dos membros da comunidade japonesa. Recusado
o pedido de abrigo, procurou socorro na família de Pietro, um colega de aula,
descendente de imigrantes italianos. Foi acolhido. Era para ser um castigo,
mas não foi, ele gostou muito... E aprendeu mais coisas de gaijin, voltou
falando coisas em italiano, pedindo para eu aprender a fazer polenta, lembrou,
mais tarde, a sua mãe, Shizue.
Sumie, a mãe do narrador, protagoniza um
episódio trágico. Apaixonada por um
gaijin – um pecado indesculpável –, precisou escolher entre ser expulsa da
comunidade japonesa e a própria felicidade. A mãe e Hanashiro a impedem de
fazer uma escolha complicada. Depois
de recusar vários pretendentes, aceitou casar com Ossamu. Um dia, dez anos
depois, reencontrou Fernando. Desta vez, não foi possível resistir. Abandonou o
marido, os três filhos, e foi viver a história de amor com que sempre sonhara.
Sintomaticamente, são essas duas figuras
dramáticas que protagonizam as situações mais significativas da narrativa.
A morte simbólica de Sumie, renegada pelos pais, pelo marido e pelos filhos, é
complementada pela morte física de Haruo – adulto, perseguido pelo Shindo
Renmei, foi assassinado a tiros por dois tokkotais. São momentos em que prevalece a
tradição cultural.
Nihonjin, vencedor do Prêmio Benvirá
de Literatura de 2011 e do Prêmio Jabuti de 2012, conjugando a aparente
simplicidade narrativa com a intensidade emocional, descreve as tensões que
surgem com o choque entre culturas, entre gerações familiares e o eterno
descompasso promovido pelo tempo. A cena final, quando Noburo se despede de Hideo (antes de viajar
para o Japão, repetindo como dekasegi a história familiar),
enfatiza que o desejo do imigrante de voltar para casa muitas vezes somente se
concretiza duas ou três gerações depois.
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