O comissário Hans Bärlach tem mais de 60
anos e está morrendo. Precisa ser internado no hospital para uma cirurgia –
que, caso resulte em sucesso, lhe dará apenas mais um ano de vida. Antes, contra
todas as regras do bom senso, decide revelar quem assassinou o tenente de polícia
Ulrich Schmied.
Através desse filete de luz – em um
mundo ficcional repleto de sombras e escuridão –, o escritor suíço Friedrich
Dűrrenmatt (1921-1990) convida o leitor para uma das mais cruéis histórias da
literatura.
A novela O Juiz e seu Carrasco explora um
conceito muito especial de justiça. Bärlach, como se fosse uma espécie de
legislador acima do bem e do mal, institui um tribunal de exceção. Não há espaço
para quaisquer possibilidades de defesa. Também não há acusações formais. O
terror impera. Os condenados devem cumprir a pena que lhes foi imposta. Em um
dos momentos cruciais da narrativa, diante de um dos acusados, ele lê a
sentença: Nunca consegui incriminar você pelos crimes que cometeu, agora vou
incriminá-lo por um que não cometeu.
Com a meticulosidade de quem está
montando um quebra-cabeça com 500 peças, o narrador onisciente, terceira
pessoa, acompanha as dores físicas e o cansaço de Bärlach. Simultaneamente, vai
acrescentando alguns detalhes ao enredo (espionagem, mentiras, ambição
profissional, redes de influências políticas). A diversão está em sugerir pistas
falsas – que, apesar da aparência, são verdadeiras. Ou quase isso. Depois,
quando o leitor toma conhecimento que, em um passado distante, Bärlach e aquele
que passou a se chamar Gastmann fizeram uma aposta, algumas coisas adquirem um novo entendimento. O encaixe só se completa nas últimas páginas – como em um sofisticado
problema enxadrístico a solução está em algum obscuro movimento de peão, longe do
quadro de mate.
Sem precisar se utilizar de cenas
grandiloquentes, sem tentar distrair a atenção do leitor com elementos
acessórios, O Juiz e seu Carrasco surpreende. Depois da última página tudo faz
sentido – apesar de não ter sentido. A disputa pelo poder ou pela possibilidade
de cometer ilícitos sem ser punido não justifica a loucura humana (delírio
que nunca perde uma oportunidade de aparecer em cena). Todos os esforços se mostram
inúteis. Ninguém quer receber prêmio por sobreviver ao que há de mais repugnante
na vida.
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