Páginas

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O JUIZ E SEU CARRASCO



O comissário Hans Bärlach tem mais de 60 anos e está morrendo. Precisa ser internado no hospital para uma cirurgia – que, caso resulte em sucesso, lhe dará apenas mais um ano de vida. Antes, contra todas as regras do bom senso, decide revelar quem assassinou o tenente de polícia Ulrich Schmied.

Através desse filete de luz – em um mundo ficcional repleto de sombras e escuridão –, o escritor suíço Friedrich Dűrrenmatt (1921-1990) convida o leitor para uma das mais cruéis histórias da literatura.

A novela O Juiz e seu Carrasco explora um conceito muito especial de justiça. Bärlach, como se fosse uma espécie de legislador acima do bem e do mal, institui um tribunal de exceção. Não há espaço para quaisquer possibilidades de defesa. Também não há acusações formais. O terror impera. Os condenados devem cumprir a pena que lhes foi imposta. Em um dos momentos cruciais da narrativa, diante de um dos acusados, ele lê a sentença: Nunca consegui incriminar você pelos crimes que cometeu, agora vou incriminá-lo por um que não cometeu.

Com a meticulosidade de quem está montando um quebra-cabeça com 500 peças, o narrador onisciente, terceira pessoa, acompanha as dores físicas e o cansaço de Bärlach. Simultaneamente, vai acrescentando alguns detalhes ao enredo (espionagem, mentiras, ambição profissional, redes de influências políticas). A diversão está em sugerir pistas falsas – que, apesar da aparência, são verdadeiras. Ou quase isso. Depois, quando o leitor toma conhecimento que, em um passado distante, Bärlach e aquele que passou a se chamar Gastmann fizeram uma aposta, algumas coisas adquirem um novo entendimento. O encaixe só se completa nas últimas páginas – como em um sofisticado problema enxadrístico a solução está em algum obscuro movimento de peão, longe do quadro de mate.

Sem precisar se utilizar de cenas grandiloquentes, sem tentar distrair a atenção do leitor com elementos acessórios, O Juiz e seu Carrasco surpreende. Depois da última página tudo faz sentido – apesar de não ter sentido. A disputa pelo poder ou pela possibilidade de cometer ilícitos sem ser punido não justifica a loucura humana (delírio que nunca perde uma oportunidade de aparecer em cena). Todos os esforços se mostram inúteis. Ninguém quer receber prêmio por sobreviver ao que há de mais repugnante na vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário