Fui ver O Lobo de Wall Street (The Wolff of Wall Street. Dir. Martin Scorcese, 2013). Versão legendada. Filmes dublados me aborrecem.
São, no mínimo, atestados de ignorância bilíngue. Não há lógica em pagar
ingresso para compactuar com o analfabetismo funcional e a opressão cultural. Simultaneamente,
também precisamos dizer não à censura moralista, que transforma expressões
bastante especificas como holy shit! e fuck you! em bobagens como ai, meu
deus! e maldição! Cerca de 30% do que conheço da língua inglesa, além de
algumas palavras e expressões em francês, italiano, alemão e russo, aprendi nas
salas de cinema. Na língua materna, aceito apenas as produções nacionais e
portuguesas. Evidentemente, isso também significa repudio as exibições em
tela pequena (televisão, computador, home theater), momentos de entretenimento que pouco ou nada significam
para quem “realmente” gosta da “sétima arte”. Na minha concepção – talvez um
pouco radical para a modernidade, que multiplica exponencialmente os mecanismos
de reprodução técnica –, o cinema somente
se torna possível com tela grande e som original!
O que me incomodou em O Lobo de Wall
Street não foi a glorificação erótica do dinheiro – que se tornou, na
contemporaneidade, a porta de entrada para o Paraíso, o substituto natural de
deus. Controlei a vontade de vomitar com a exaltação obscena do capitalismo.
Também resisti à falta de escrúpulos com que os personagens do filme cometem
crimes do colarinho branco. Tampouco me aborreci com o uso intensivo de drogas
(álcool, cocaína, maconha, crack, anfetaminas, compostos sintéticos). Não fiquei
chateado com o final torpe, comprovação inequívoca de que delação premiada e advogados
pagos a peso de ouro produzem milagres jurídicos. A proposta cínica de redenção
religiosa, o criminoso que se torna palestrante motivacional, não me angustiou.
A interpretação quase histérica do Leonardo DiCaprio ou o Jonah Hill
representando a si mesmo (outra vez!) não foram itens capazes de me
impacientar. As três horas de duração do filme quase estouraram minha bexiga – aguentei
firme, imaginando que uns bons cortes, aqui e ali, provavelmente contribuiriam
com um maior dinamismo para o enredo frouxo. O que realmente me deixou furioso
foi ouvir, na trilha sonora desse filme vagabundo, Mercy, Mercy, Mercy (composta
por Williams/Watson/Zawinul), uma das minhas músicas favoritas (na
interpretação magistral de Cannonball Adderley). Pior do que isso somente a
inclusão de alguma das sonatas de Giuseppe Domenico Scarlatti para ilustrar cenas de filme
pornográfico de baixo orçamento. Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento
cultural jamais vai perdoar esse tipo de crime hediondo.
Cinema ostentação, o filme retrata o
grau máximo da ganância e da depravação moral. Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um self-made-man
que acredita que não existem distâncias éticas e semânticas entre as palavras
vendedor e vencedor, vandaliza o mundo financeiro. Concentrando a Bolsa de
Valores como seu campo de atuação, aplica – sempre que possível – uma forma
sofisticada de Conto do Vigário. Como possui o dom da eloquência – que utiliza
em proveito próprio – não se inibe em ultrapassar as mais elementares
fronteiras da decência. Quer saquear os bolsos de qualquer trouxa que estiver ao
seu alcance.
Ao mesmo tempo, como se fosse uma
criança mimada, gasta fortunas no parque de diversões. Adquire bens luxuosos
(mansão, iate, helicóptero), promove a amante à esposa, contrata prostitutas,
organiza concursos de arremesso de anões – a loucura em doses industriais. Ao
saber que está sendo alvo de uma investigação federal, encontra uma maneira
peculiar de esconder parte do dinheiro em um banco suíço. Inconsequente, sem
noção do perigo, tudo lhe parece uma grande piada, como na cena em que tenta
subornar um agente do Federal Bureau of Investigacion (FBI).
Um dia... um dia, a realidade se impõe e ele precisa pagar por seus
crimes. A burrice costuma ser premiada com vários anos de prisão. Foi o que entendeu
no momento em que precisou entregar os amigos para obter a redução penal. Sintomaticamente,
essa parte do filme recebe um tratamento rápido, quase superficial. Não há
glamour na decadência.
Ao ver os créditos finais rolarem pela
tela, o espectador percebe que perdeu o seu tempo assistindo uma história que o cinema já repetiu diversas vezes e de maneira muito mais competente: Wall Street – poder e cobiça (Wall Street. Dir. Oliver Stone, 1987), Jogador de Alto Risco (Rogue Trader. Dir. James Dearden, 1999) e Wall Street – O dinheiro nunca dorme (Wall Street: money never sleeps. Dir. Oliver Stone, 2010).
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