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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

OS ABRAÇOS PERDIDOS

Há uma visível escassez de narrativas longas em Santa Catarina. A grande maioria dos escritores atuantes nesse pedaço de terra espremido entre Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e o oceano Atlântico concentram suas energias no conto e na poesia. As narrativas longas vivem do passado, como comprovam os nomes de Guido Wilmar Sassi, Miro Morais, Adolfo Boos Júnior, Holdemar de Menezes, Ricardo Hoffmann e Lausimar Laus. Os livros que eles escreveram estão se transformando em relíquias arqueológicas ou em teses acadêmicas (que no es lo mismo / pero es igual). Em contrapartida, na primeira oportunidade, uma quantidade significativa de romancistas vivos (ou mais vivos), deixaram SC e foram morar em outros estados – onde, rapidamente, obtiveram reconhecimento intelectual. Basta citar Edla van Steen, Cristóvão Tezza, Deonísio da Silva, Donaldo Schüler, Godofredo de Oliveira Neto e Alex Sens, como casos exemplares.

Há milhares de explicações para esse fenômeno. Todas irrelevantes. Todas incapazes de justificar a falta de comprometimento catarinense com a literatura – inclusive naqueles momentos em que muitos escritores juram amor eterno pela cultura barriga-verde. A hipocrisia é uma qualidade subestimada. Dizem.

A novela Os Abraços Perdidos, de João Chiodini, publicado em 2015, de uma forma ou de outra, navega na contracorrente. Diante do mundo capitalista (fragmentário e dispersivo), voraz em consumir os “enlatados” que são oferecidos nas prateleiras das livrarias, permanecer em Santa Catarina e publicar um texto, qualquer texto, constitui um ato de resistência literária. É como se dissesse: meu livro quer se insurgir contra a apatia intelectual. A pretensão também é um valor subestimado.

O enredo da novela se estende por 121 páginas de lavação de roupa suja em público. A história que (des)une Antônio Carlos e Pedro, pai e filho, assusta. E por vários motivos. Poucos leitores se sentem à vontade ao ler um tratado sobre o ressentimento filial. Raros são aqueles que encontram prazer na exposição nua e crua, promovida pelo filho de um alcoólatra violento (indivíduo que não perde nenhuma oportunidade de criar um inferno familiar particular). Além disso, a narrativa não está mediada por algum tipo de distanciamento objetivo e emocional. Os fatos (no passado e no presente narrativo) são tratados a ferro e fogo – como se fossem agressões pessoais ao narrador. Essa maneira maniqueísta de expor o “mal” impede que o pai possa emitir qualquer tipo de defesa – caso o comportamento autodestrutivo de Antônio Carlos mereça algum tipo de defesa.

Pedro, ao dizer que Antônio Carlos jamais seria aquele pai desejado que nunca tive, se baseia em uma figura paterna ideal, sem falhas, sem vícios. Uma impossibilidade. E que está reverberada na história paralela oferecida pela narrativa. A namorada de Pedro fica grávida. Ele se desespera com a ideia. A perspectiva do horror opressor renascer – desta vez tendo ele, Pedro, como agente ativo – o assusta. Todos os seus atos, neste episódio, são pela supressão da vida. Independente da correção desse proceder, o que se destaca é o medo crescente de se transformar em uma versão (ainda mais) repugnante de Antônio Carlos.

No plano teórico, Os Abraços Perdidos usa de narradores múltiplos. Em primeiro plano, Pedro, narrador-personagem, alterna o texto em dois níveis narrativos (o passado e o presente, a infância e a vida adulta – que caminham paralelamente). Secundariamente, há um narrador inominado, em terceira pessoa, que articula os elementos que não foram contemplados de maneira direta. O uso desse recurso narrativo, dividindo as responsabilidades na exposição do enredo, possibilita que o texto se desenvolva com fluência e que não fique preso a parcialidade dos relatos em primeira pessoa.

Infelizmente, as diversas qualidades do livro não compensam a ausência de uma boa revisão editorial (que cortaria inúmeras cenas e deixaria o texto com mais densidade e um pouco menos discursivo). Mais é menos. Basta ver, como exemplo, as semelhanças que existem entre três cenas:

– Pedro, você sabe que é a única pessoa em quem confio nesse mundo.

– Boa noite, pai.

Não quis responde àquela afirmação. Não era verdade. Estávamos distantes um do outro. Eu não neguei ajuda para ele, me senti na obrigação de cumprir o papel de filho. Éramos dois estranhos. (p. 58-59)


No final da sessão, Giovanna, a psicóloga dele, perguntou-o:

– Antônio, e para o Pedro, o senhor tem algo a dizer?

– Sim. Obrigado por sua ajuda, meu filho. Eu te amo muito.

– Eu que agradeço por sua mudança, pai. Eu também te amo muito.

Acho que ambos estávamos mentindo. (p. 90)


– Que bom. Sabe, Pedro, eu te amo muito.

– Eu também te amo muito, pai.

Ele sorriu. Eu sorri.

Ambos continuaremos mentindo. (p. 121)


Não há motivo literário que justifique esse tipo de redundância. Principalmente em um texto tão curto como Os Abraços Perdidos. Qualquer editor com um mínimo de visão também desbastaria outros trechos, inclusive o da compra do remédio abortivo. Parece ser um caso típico de “encher linguiça”. Uma elipse, utilizando duas ou três frases, resumiria o episódio e daria mais dinamismo ao texto.

Os Abraços Perdidos acena com um futuro promissor para João Chiodini. Principalmente se ele optar por diminuir a fúria e o ódio e se concentrar nas sutilezas sempre necessárias às narrativas.


P.S.: O diretor de cinema argentino Daniel Burman, um especialista na discussão das relações familiares, principalmente os conflitos entre pais e filhos, dirigiu um filme quase homônimo ao livro de João Chiodini: El Abrazo Partido (O Abraço Partido, 2004). Além do tema principal ser bastante diferente (o pai vai embora para Israel e deixa o filho com a mãe, somente retornando vários anos depois), no filme de Burman, há leveza, humor e menos drama. No filme seguinte, de 2006, Derecho de Família (no Brasil, As Leis de Família), Burman consegue mostrar que o antagonismo filial e paterno pode, aos poucos, se transformar em amor.

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