Há uma visível escassez de narrativas
longas em Santa Catarina. A grande maioria dos escritores atuantes nesse pedaço
de terra espremido entre Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e o oceano
Atlântico concentram suas energias no conto e na poesia. As narrativas longas vivem do
passado, como comprovam os nomes de Guido Wilmar Sassi, Miro Morais, Adolfo Boos
Júnior, Holdemar de Menezes, Ricardo Hoffmann e Lausimar Laus. Os livros que
eles escreveram estão se transformando em relíquias arqueológicas ou em teses
acadêmicas (que no es lo mismo / pero es igual). Em contrapartida, na
primeira oportunidade, uma quantidade significativa de romancistas vivos (ou
mais vivos), deixaram SC e foram morar em outros estados – onde, rapidamente, obtiveram
reconhecimento intelectual. Basta citar Edla van Steen, Cristóvão Tezza, Deonísio
da Silva, Donaldo Schüler, Godofredo de Oliveira Neto e Alex Sens, como casos
exemplares.
Há milhares de explicações para esse
fenômeno. Todas irrelevantes. Todas incapazes de justificar a falta de
comprometimento catarinense com a literatura – inclusive naqueles momentos em
que muitos escritores juram amor eterno pela cultura barriga-verde. A
hipocrisia é uma qualidade subestimada. Dizem.
A novela Os Abraços Perdidos, de João
Chiodini, publicado em 2015, de uma forma ou de outra, navega na
contracorrente. Diante do mundo capitalista (fragmentário e dispersivo), voraz
em consumir os “enlatados” que são oferecidos nas prateleiras das livrarias, permanecer
em Santa Catarina e publicar um texto, qualquer texto, constitui um ato de resistência
literária. É como se dissesse: meu livro quer se insurgir contra a apatia
intelectual. A pretensão também é um valor subestimado.
O enredo da novela se estende por 121
páginas de lavação de roupa suja em público. A história que (des)une Antônio
Carlos e Pedro, pai e filho, assusta. E por vários motivos. Poucos leitores se
sentem à vontade ao ler um tratado sobre o ressentimento filial. Raros são
aqueles que encontram prazer na exposição nua e crua, promovida pelo filho de
um alcoólatra violento (indivíduo que não perde nenhuma oportunidade de criar
um inferno familiar particular). Além disso, a narrativa não está mediada por
algum tipo de distanciamento objetivo e emocional. Os fatos (no passado e no
presente narrativo) são tratados a ferro e fogo – como se fossem agressões
pessoais ao narrador. Essa maneira maniqueísta de expor o “mal” impede que o
pai possa emitir qualquer tipo de defesa – caso o comportamento autodestrutivo
de Antônio Carlos mereça algum tipo de defesa.
Pedro, ao dizer que Antônio Carlos
jamais seria aquele pai desejado que nunca tive, se baseia em uma figura
paterna ideal, sem falhas, sem vícios. Uma impossibilidade. E que está reverberada
na história paralela oferecida pela narrativa. A namorada de Pedro fica
grávida. Ele se desespera com a ideia. A perspectiva do horror opressor renascer
– desta vez tendo ele, Pedro, como agente ativo – o assusta. Todos os seus
atos, neste episódio, são pela supressão da vida. Independente da correção desse
proceder, o que se destaca é o medo crescente de se transformar em uma versão
(ainda mais) repugnante de Antônio Carlos.
No plano teórico, Os Abraços Perdidos usa de narradores múltiplos. Em primeiro plano, Pedro,
narrador-personagem, alterna o texto em dois níveis narrativos (o passado e o
presente, a infância e a vida adulta – que caminham paralelamente).
Secundariamente, há um narrador inominado, em terceira pessoa, que articula os
elementos que não foram contemplados de maneira direta. O uso desse recurso narrativo, dividindo as responsabilidades na exposição do enredo, possibilita que o texto se desenvolva com fluência e que não fique preso a
parcialidade dos relatos em primeira pessoa.
Infelizmente, as diversas qualidades do
livro não compensam a ausência de uma boa revisão editorial (que cortaria
inúmeras cenas e deixaria o texto com mais densidade e um pouco menos
discursivo). Mais é menos. Basta ver, como exemplo, as semelhanças que existem
entre três cenas:
– Pedro, você sabe que é a única pessoa em quem confio nesse mundo.
– Boa noite, pai.
Não quis responde àquela afirmação. Não era verdade. Estávamos distantes um do outro. Eu não neguei ajuda para ele, me senti na obrigação de cumprir o papel de filho. Éramos dois estranhos. (p. 58-59)
No final da sessão, Giovanna, a psicóloga dele, perguntou-o:
– Antônio, e para o Pedro, o senhor tem algo a dizer?
– Sim. Obrigado por sua ajuda, meu filho. Eu te amo muito.
– Eu que agradeço por sua mudança, pai. Eu também te amo muito.
Acho que ambos estávamos mentindo. (p. 90)
– Que bom. Sabe, Pedro, eu te amo muito.
– Eu também te amo muito, pai.
Ele sorriu. Eu sorri.
Ambos continuaremos mentindo. (p. 121)
Não há motivo literário que justifique
esse tipo de redundância. Principalmente em um texto tão curto como Os Abraços
Perdidos. Qualquer editor com um mínimo de visão também desbastaria outros
trechos, inclusive o da compra do remédio abortivo. Parece ser um caso típico
de “encher linguiça”. Uma elipse, utilizando duas ou três frases, resumiria o episódio
e daria mais dinamismo ao texto.
Os Abraços Perdidos acena com um
futuro promissor para João Chiodini. Principalmente se ele optar por diminuir a
fúria e o ódio e se concentrar nas sutilezas sempre necessárias às narrativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário