Eu tinha um pouco mais de dez anos
quando li, pela primeira vez, parte das aventuras de Sherlock Homes. A
Biblioteca Pública de Lages (SC) ainda tem alguns daqueles exemplares de capa
vermelha que serviram para produzir em mim um pouco da emoção alienante que
somente os romances de aventura conseguem gerar. Talvez seja por isso que eu
gostei tanto daqueles livros. A possibilidade de “fugir” das complicações
familiares e da incompetência dos professores que me torturavam naquele tempo
era, na falta de melhor expressão, o equivalente ao ganhar na loteria. Primeiro
prêmio.
Essas lembranças se tornaram mais
vívidas ao assistir uma produção da BBC Films, Sr. Sherlock Homes (Mr. Holmes.
Dir. Bill Condon, 2015), baseado no livro A Slight Trick of Mind, de Mitch
Cullin. Diante das imagens do filme, fui tomado por uma vontade incontrolável
de voltar a ler as aventuras do célebre detetive, escritas por Sir Arthur Conan Doyle.
Como não tenho cópia de nenhum dos livros, nem mesmo de O Cão dos Baskervilles ou Um Estudo em Vermelho, clássicos absolutos, descobri que a distância entre a
infância e a maturidade pode ser medida por esse tipo de “acidente”.
O filme, que segue o esquema uma
história dentro de outra história, relata a velhice de Sherlock (interpretado
magistralmente pelo magistral Ian McKellen). Aos 93 anos, inconformado com a crescente perda
da memória, logo depois de voltar de uma viagem ao Japão, Sherlock encontra em Roger
Munro (Milo Parker), o filho da governanta (Laura Linney), um incentivo para
recuperar os fatos que o fizeram se aposentar, 25 anos antes. As lembranças
voltam lentamente. Anotando tudo o que recorda (e que é diferente da versão
ficcional, produzida, muitos anos antes, por John Watson), mostra ao menino o que vai escrevendo. A cumplicidade se estabelece. Roger, curioso, quer saber o que
aconteceu. Sherlock, esperançoso, quer recuperar o que esqueceu.
Aos poucos, o bloqueio psicológico vai
sendo rompido. As informações que Sherlock considerava perdidas estavam
escondidas dentro da mente. Ele havia construído um cofre-forte no inconsciente.
Em seguida, trancou lá dentro os fatos traumáticos e jogou fora a chave. Atingir essa
área nebulosa da mente e trazer à tona o material sublimado causa dor. Durante
muitos anos ele evitou esse tormento.
Sr. Sherlock Homes, que se caracteriza por uma estrutura
especular (infância x velhice, lembrança x esquecimento, honestidade x vida
social), atinge o seu ápice com uma metáfora pouco usual: o contraste entre bees (abelhas) e wasps (vespas). No mundo animal (e, por extensão, no mundo
humano), algumas espécies são inimigas naturais de outras. Confundir estas com
aquelas pode ser fatal. Por isso, antes de qualquer atividade, cabe saber quais
são os limites possíveis.
Sr. Sherlock Holmes, ao contrário
daquelas adaptações hollywoodianas horríveis (com Robert Downey Jr. e Jude Law), que desvirtuam o
personagem de Arthur Conan Doyle, transformando-o em uma espécie de Rambo
londrino, propõe um caminho mais suave. Também não compactua com a série
britânica, Sherlock (com Benedict Cumberbatch e Martin Freeman nos papéis principais), que usa e abusa do poder dedutivo do morador de 221B Baker Street.
Se fosse possível adjetivar corretamente Sr. Sherlock Holmes (e não o é!), então
poderia se evocar um conto zen-budista, onde a delicadeza e a inteligência se
encontram, e, de mãos dadas, caminham na direção da luz.
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