Todos os triângulos amorosos são
imperfeitos. Não importa se esse tipo de situação conta com o consentimento de
todos os envolvidos ou se uma ou duas das três partes acumula algum tipo de
ressentimento ou ódio. O escritor japonês Jun’ishiro Tanizaki (1886-1965) procurou
desenvolver essa ideia em duas novelas – que foram reunidas pela Editora
Estação Liberdade em um volume com título quilométrico: A Gata, Um Homem e
Duas Mulheres e O Cortador de Juncos.
Na primeira novela, A Gata, Um Homem e
Duas Mulheres, fica comprovado que, depois que um casal se separa, algumas
coisas continuam pendentes. A partilha dos bens se mostra mais problemática do
que a separação dos corpos. Shozo Ishii foi casado com Shinako durante quatro
anos. Foi. Vitima de um complô organizado por sua mãe, Orin, que detesta
Shinako, ele trocou de esposa. Ao se unir à sua prima, Fukuko, aceitou
substituir um casamento com algum afeto por uma união de conveniência econômica.
A grande paixão de Shozo é Lily, a gata.
Ele adora passar o tempo com o animal – aparentemente, ele gosta mais do felino
do que da esposa – qualquer esposa. Essa situação constitui o seu maior
problema. Seja por ciúme, seja pelos odores que um animal doméstico impregna na
casa, as três mulheres que participam de sua vida (Shinako, Fukuko, Orin) fazem
restrições ao felino. Todas – de uma forma ou de outra – querem que ele se
desfaça de Lily.
A novela inicia no momento em Fukuko
recebe uma carta de Shinako, solicitando que a gata lhe seja entregue. Alega
que o felino lhe fará companhia, nos dias de solidão. Evidentemente, um motivo
falso. Shinako detesta bichos de estimação. Seu objetivo têm raízes mais
profundas – e se mostra certeiro. Depois de ler a correspondência, Fukuko passa
a ver Lily como uma rival. A antropomorfização do animal causa danos
irreversíveis. A harmonia conjugal desaparece – possibilitando, inclusive,
agressões físicas. Shozo, que não gosta de assumir responsabilidades, se vê
diante de uma encruzilhada, onde, independente do caminho que escolher, o único
perdedor será ele.
A trama – centralizada na gata – inicia como
tragédia doméstica e termina em comédia. A ausência de coerência dos
relacionamentos afetivos e das obsessões sempre se mostra engraçada. Ou
melhor, patética.
A segunda novela, O Cortador de
Juncos, utiliza uma abordagem muito diferente. Quer dizer, há intersecções com
a primeira, mas os pontos de contato são outros. No inicio do texto há um
trecho descritivo que não atrai muito. São 20 páginas de comentários sobre
literatura, geografia e história do Japão. Ou seja, o texto ficcional demora
a engrenar. É necessário paciência para superar esse pequeno obstáculo.
A narrativa adquire consistência quando
dois homens desconhecidos se encontram às margens do rio Yodo, em Okamoto.
Durante a conversa, enquanto observam a lua, um deles conta uma história de
amor muito peculiar, envolvendo o seu pai, Shinnosuke, e o relacionamento que
teve com duas irmãs, Oyu e Oshizu.
Shinnosuke se apaixona por Oyu, que é
viúva. Ou seja, por algum tempo ela está impedida de se casar outra vez. Para
manter as aparências, e ficar próximo de Oyu, Shinnosuke propõe casamento para
Oshizu. A irmã mais nova, acostumada a se submeter aos interesses da irmã mais
velha, e percebendo o que move o seu pretendente, aceita a
proposta – mas exige que o casamento seja de fachada (ela quer se manter
casta). Evidentemente, seguindo a lógica humana, quase todos os planos são
feitos para fracassar. Shinnosuke jamais consegue despertar o interesse carnal
de Oyu – que, no momento oportuno, prefere se casar com outro.
O tom melancólico, intermediado por uma
tragédia ocorrida com o filho de Oyu, é interrompido pela cena final – que
apresenta um elemento fantasmagórico, próximo das narrativas góticas. Não é a
única surpresa.
Vários dos livros de Jun’ichiro Tanizaki
foram traduzidos no Brasil. Os mais conhecidos são Há Quem Prefira Urtigas (1929), As Irmãs Makioka (1943), A Chave (1956) e Diário de um Velho
Louco (1961).
Jun’ishiro Tanizaki (1886-1965) |
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