Os delírios causados pelo autoengano da
classe média brasileira. Se não fosse tão assustadora e, por extensão, tão
próxima da realidade, essa poderia ser uma síntese aceitável do romance O Fogo
na Floresta, de Marcelo Ferroni. O problema – sim, isso é um problema – é que
a literatura brasileira contemporânea adora ficar se esfregando em devaneios
econômicos, em conflitos superficiais, e se esquece de abordar questões mais
importantes e menos dramáticas.
No ano de 2010, dois anos antes das
Olimpíadas de Londres, a editora Guanabara (nome fictício, embora não pareça)
estabelece um plano de metas para publicações e vendas. Em linhas gerais, é por
esse caminho – os bastidores do mundo editorial – que se movimenta parte da
trama. O ambiente insalubre e a luta intestina corroem todo e qualquer instante
de tranquilidade ou criatividade que possa surgir. A mistura antagônica de
diversos ingredientes (ambição, inveja, incompetência, etc.) impede que a
lucidez prevaleça. Na guerra cotidiana pela sobrevivência não há lugar para os
inocentes. A precariedade se instala.
Simultaneamente, a vida sentimental e
econômica de Heloísa Peinado, a protagonista, está encapsulada em várias outras
histórias. Oscilando entre a ambição desmedida e a alienação, ela tenta driblar
as armadilhas geradas por um casamento infeliz. A incomunicabilidade com o
marido causa uma espécie de catatonia. Filha de um tempo em que algumas
mulheres consideram a maternidade um empecilho para o sucesso profissional,
ignora os cuidados que o filho pequeno requer. Ao seu redor a realidade
objetiva desaparece. Esse ambiente caótico pode ser traduzido em uma equação
banal: obter um pouco de felicidade instantânea é igual ao rompimento de
algumas barreiras éticas e morais.
Na primeira oportunidade, Heloísa trai o
marido. É uma forma de sair da rotina, de romper com a inércia, de instaurar a
alegria. E engana-se quem pensa em estruturas românticas ou em desatinos
causados pelo amor. Heloísa não entende essas banalidades. Embora não
manifeste, ela está ciente de que o amante é um arrivista inepto, um desses
sujeitos que imagina grandes golpes comerciais e que não dispõe de habilidade
para executá-los. O que ela quer é a novidade. Ou melhor, a fuga de um ambiente
opressor.
Heloísa representa a catástrofe (o desastre inconsequente) se
alastrando como o fogo na floresta.
Com relação à carpintaria do romance, há
o uso de recursos interessantes: a narrativa foi descosturada e é apresentada
em cinco capítulos e inúmeros fragmentos. O uso alternado do tempo (passado
remoto, passado mais próximo, presente) também ajuda no dinamismo. A intersecção
de um capítulo sobre um navio que fica encalhado na Antártida faz o leitor se
perguntar: o que isso faz aqui? Obviamente, precisa-se continuar a leitura para
descobrir o que está acontecendo. Infelizmente, é só fogo de palha – o que não invalida
o truque. Outra sacada (ou sacanagem) com algum fundamento está no reencontro
entre Heloísa e um colega de colégio ("Big" é citado no primeiro capítulo). Mas, nesse
caso, há total desperdício da situação – Heloísa não está conectada com as
lições oferecidas pela vida.
A grande restrição está localizada em
outro lugar de O Fogo na Floresta: o uso narrativo de uma série de marcas
comerciais. As ocorrências são inúmeras: Consul (p. 34, 64), McDonald’s (p. 50, 65),
Moët Chandom (p. 53), Taittinger (p. 53), Claro (p. 62 e seguintes), Ponto Frio
(p. 63), Pringles com Coca Zero (p. 154), Tok&Stok (p. 167), Adidas (p. 212),
Quatro Rodas (p. 246). Se a ideia era produzir algum tipo de contato com o
mundo da classe média, o leitor não percebe essa sutileza. Os outdoors
narrativos, misturando itens de alto e baixo padrão, sem muito critério, tornam irrelevante
qualquer reflexão sobre o tema. Além disso, esse artifício sequer é novo – foi
utilizado “ad nauseam” por escritores medianos como Bret Easton Ellis, em O Psicopata Americano (1991)
e Glamorama (1998) ou Lolita Pille, em Hell Paris – 75016 (2002) e Buble Gum (2004).
Salvo uma ou outra cena, aqui e ali, O
Fogo na Floresta é mais do mesmo. E entenda-se que “o mesmo” se satisfaz em
descrever o que já está descrito em centenas de outras narrativas – embora com
roupagens e linguagens diferenciadas.
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