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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

PRESO NA TEIA DA ARANHA

 


 

Encontrei uma aranha passeando pelo chão da cozinha. Tamanho médio. 

Esse tipo de hóspede não é frequente, mas também não é novidade. A diferença é que as outras visitas eram menores. Como nada entendo do comportamento animal, fiquei, momentaneamente, sem saber o que fazer.

Muitas pessoas não hesitariam em resolver o impasse com uma chinelada. Depois, com ligeiro nojo, limpariam o calçado, amaldiçoando os bichos que não respeitam os avanços imobiliários da civilização.

Meu budismo de quinta categoria sussurrou que somente encontraremos a harmonia do universo se aceitarmos que a preservação da vida (qualquer vida!) está acima de outros valores. O octópode foi salvo pelo gongo, digo, pelo satori (a iluminação, a percepção de que é possível encontrar alternativas diferentes do óbvio).  

Depois de várias tentativas, com toda a calma que esse tipo de operação exige, consegui colocá-lo em uma folha de papel. Cuidando para que não caísse no meio do caminho, o levei até a sacada.

Depositei o artrópode no terreno baldio que existe ao lado do prédio. Que a natureza decida o teu destino, ó ilustre parente distante do Peter Parker!

Esse episódio banal fez com que recordasse uma história familiar que estava escondida em alguma gaveta da memória. Aconteceu na infância. Meu irmão (quatro anos mais novo), por um desses mistérios da vida, descobriu que o nosso pai tinha um ponto fraco. O calcanhar de Aquiles era a aracnofobia. O homem que nos assustava apenas com o som de sua voz se transformava em gelatina diante de qualquer aranha.

Meu irmão fez alguma bobagem substancial, não lembro o quê, e nossa mãe, como era usual, delegou ao marido a tarefa de premiar o infrator. Naquele dia, provavelmente, as coisas não tinham sido boas no trabalho do pai. Ele chegou em casa furioso. Mal soube do problema, foi tirando a cinta da calça. O rapazinho iria levar uma surra memorável.

Nem sempre as coisas transcorrem de acordo com a lógica cartesiana. Fingindo não estar em pânico, o meu irmão abriu a caixa de fósforos que estava em sua mão e a ofereceu para aquele que estava prestes a agredi-lo. Ao ver o conteúdo do presente, como se fosse uma mosca desatenta, o pai ficou preso na teia. O cinto caiu no chão. 

Alguns dias depois ocorreu o acerto de contas. No pagamento, houve cobrança de juros e correção monetária. O motivo inicial para o castigo estava esquecido, aliás, não importava mais. Os gritos de dor foram uma espécie de tributo exigido como compensação pelo medo que o menino tinha causado no adulto.

Para o bem ou para o mal, a lição foi dupla. Um aprendeu que há limites para o que se pode fazer para tentar fugir das punições; o outro, que a violência se manifesta de inúmeras formas e, muitas vezes, pode machucar bem mais do que a agressão física.

Qual foi o ensinamento maior? O pai nunca mais aceitou qualquer coisa vinda da mão de meu irmão.


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